Uma
mestranda de odontologia que não conheço pediu por e-mail que eu lhe desse uma
“pequena ajuda” em seu trabalho: responder à famosa questão “qual deve ser o
tamanho da amostra?” Lembrei a ela de que não seria difícil calcular esse
tamanho, se me fossem dadas algumas informações que começariam, evidentemente,
com o propósito do trabalho. Depois de algumas idas e vindas, chegamos ao texto
abaixo, editado por mim, que sou professora de estatística (e desconheço o
jargão da área de odontologia).
Para
comparar a efetividade de dois métodos indicados para clareamento dental, será
feito um ensaio clínico usando dois grupos de pacientes: um grupo será
submetido a um novo método, mas já testado, que chamaremos de N. O outro grupo será
submetido a um método convencional, que chamaremos de C. Supõe-se que esses
métodos possam ter efetividade diferente. O desfecho será uma variável
dicotômica, isto é, sim ou não para cada participante da pesquisa, indicando se
houve ou não clareamento nos dentes. A avaliação será feita por profissional,
fazendo uma observação no início e outra
após o clareamento. Serão submetidos a essa avaliação n pacientes
que passarem pelos critérios de elegibilidade e que serão designados para o
método A ou para o método B por processo aleatório.
Informei
à mestranda que existe uma fórmula para calcular o tamanho de uma amostra para
comparar dois métodos quando a variável é dicotômica. E expliquei mais
claramente:
Para comparar duas proporções, o tamanho da amostra
para cada grupo (n) é dado por:
em
que
n é
o tamanho de cada grupo, sendo os grupos de igual tamanho
Z = valor de
Z correspondente ao nível de confiança desejado (por exemplo, 1,96 para
95% de confiança)
p1 = proporção estimada para o novo método (N)
p1 = proporção estimada para o método convencional
(C)
=
diferença mínima detectável entre proporções
A resposta
chegou em tom irritado: “eu não quero fórmulas de livros, quero a resposta para
o meu problema”. Então perguntei: “qual seria a porcentagem de
pessoas em que você espera “ver” clareamento quando usar o método C? E no
método N?” E a resposta foi aquela que já ouvi muitas vezes, em se tratando de
calcular tamanho de amostras: “se eu soubesse, não faria a pesquisa”. Pois é, e
a literatura da área?
Mas
nessa situação, ou se improvisa ou não se responde. Então, improvisei:
considerei o nível de confiança mais comum nos trabalhos publicados: 95%. E os
valores de p1 e p2? Como nenhuma estimativa específica estava
disponível, considerei que as duas proporções deveriam ser maiores que 0,5. Um palpite,
pouco otimista para um dentista clínico como a mestranda, mas que mesmo assim
sugeri: p1 = 0,7 e p2 = 0,6 e, portanto, d
= ∣p1− p2∣ = 0,1 seria a diferença esperada entre as proporções Fazendo
os cálculos:
• p1=0,7 (novo tratamento)
• p2=0,6 (convencional)
• d=0,1
• Z=1,96
De acordo com os cálculos feitos, são necessários cerca
de 173 participantes por grupo para detectar uma diferença de 10% com 95% de
confiança, quando se pressupõe proporções como 0,7 e 0,6. Obviamente, esta
proposta foi rejeitada. Não se faz um enaio clínico, para uma tese de mestrado,
com cerca de 350 participantes. E a orientadora achou que as pressuposições
feitas, p1 = 0,7 e p2 = 0,6, estavam
absurdamente abaixo das expectativas ou mesmo realidade.
Procurei então alguma informação para a taxa de
sucesso de clareamento dentário. Achei,
em um site americano1 a seguinte frase: “Generally, tooth whitening is
successful in at least 90 percent of patients.” Não é
irrealista supor que o tratamento convencional tenha uma taxa de sucesso de
0,9, especialmente se for um tratamento bem estabelecido e eficaz. Aliás, ensaios
clínicos são projetados para melhorar tratamentos que já têm altas taxas de
sucesso. No entanto, quando a taxa de sucesso da linha de base é muito alta,
detectar melhorias requer tamanhos de amostra maiores porque a margem para
melhoria é muito pequena. Mas veja os cálculos para p1 = 0,95
e p2 = 0,90.
• p1 =0,95 (novo tratamento)
• p2=0,90 (convencional)
• d=0,05
• Z=1,96
De
acordo com os cálculos feitos, são necessários cerca de 212 participantes por
grupo para detectar uma diferença de 5% com 95% de confiança, quando se
pressupõe proporções como 0,95 e 0,90.
Mas a mestranda me informou que sua orientadora dispensou minhas considerações. Como o desperdício sempre me aborrece, não vou jogar no lixo o que fiz. Talvez alguém aproveite. De qualquer forma, não há como caber no orçamento de mestrado a coleta de uma amostra para detectar diferenças muito pequenas entre dois tratamentos com altas taxas de sucesso.
Importante: não foi estipulado aqui o valor do poder do teste.
Referência
1. The risks of teeth
whitening - Delta Dental
https://www.deltadentalins.com/.../bleaching_risks.ht...
Veja algumas calculadoras para tamanho de amostras:
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