Saturday, January 18, 2014

O tamanho da amostra nas entrevistas qualitativas

Provavelmente, a pergunta que mais ouvi na minha vida profissional de estatística foi: “de que tamanho deve ser minha amostra?”. A pergunta surge assim, do nada, como se eu pudesse, tal qual um oráculo, dar respostas sem saber o que está sendo tratado. Mas já aprendi – por conta de muita leitura na área – a melhor resposta: “depende”.  O problema é que essa resposta não encerra a questão, traz outra: “depende do que”?
Na pesquisa quantitativa, o tamanho da amostra pode ser calculado por meio de fórmulas.  No entanto, o fato de o estatístico saber indicar a fórmula para o problema apresentado não basta. É preciso que o pesquisador tenha algumas informações de natureza numérica sobre as variáveis que estuda. Mas vamos deixar isso de lado para tratar aqui de outro assunto, que muito me tem intrigado depois que comecei a dar aulas de Metodologia Científica no Curso de Mestrado em Bioética do Centro Universitário São Camilo. Os alunos fazem pesquisa na área qualitativa ou fazem revisão da literatura, o que é esperado em função do conhecimento que eles têm e que buscam expandir. Qual deve ser o tamanho da amostra na pesquisa qualitativa?
Uwe Flick1, autor consagrado na área, considera que, no delineamento de entrevistas qualitativas, é preciso refletir sobre o que se espera dos entrevistados, quanto tempo é preciso para conseguir boas entrevistas, a facilidade de acesso aos possíveis entrevistados e, se o estudo for longitudinal, o número de vezes que as entrevistas serão repetidas. O tamanho da amostra depende de contrabalançar todas essas considerações – e fazer caber tudo dentro do orçamento.
Já Rola Ajjawi2 considera que o tamanho da amostra depende de contrapor profundidade e abrangência: um estudo fenomenológico que exija grande envolvimento do pesquisador com os participantes pede menos gente do que um estudo fundamentado em teoria que pretenda levantar, de cada entrevistado, uma só resposta para uma única pergunta.

Mas a grande questão para estabelecer o tamanho da amostra é pragmática. Afinal, estamos falando de uma dissertação? Segundo Adler and Adler3, o orientador deve limitar o projeto do aluno de três maneiras, isto é, dizer ao aluno para:
1.            Trabalhar em lugares onde conhece as pessoas, onde tem familiaridade com a situação e transita com facilidade, ou seja, trabalhar com o que de fato consegue administrar.
2.            Evitar assuntos altamente polêmicos ou fazer entrevistas de pessoas em situações ilegais, com populações vulneráveis ou que tenham grandes diferenças com eles próprios, ou seja, num primeiro trabalho de entrevista não se lançar demais. Fazer isso quando tiver um pouco mais de experiência.

3.            Entrevistar cerca de doze pessoas. Esse número permite ganhar experiência no planejamento das entrevistas, de transcrevê-las e tirar conclusões. Mais do que isso, pode ser difícil devido à limitação de tempo para desenvolver uma dissertação. Numa tese de doutorado, pode-se chegar a 30, ou um número pouco maior, de entrevistas. 
Um estudo interessante – pelo menos do ponto de vista da crítica – foi feito por Mark Mason4. Esse autor levantou uma amostra de teses de doutorado apresentadas em diversas universidades dos Estados Unidos da América que utilizaram entrevistas qualitativas como o método. Atenderam aos critérios de inclusão 560 (quinhentos e sessenta) teses. O tamanho médio das amostras foi 31, mas uma proporção significativa das teses estudadas apresentou tamanhos de amostra que eram múltiplos de dez. Esse fato sugere que os tamanhos das amostras foram estabelecidos antes do início das pesquisas, embora a explicação mais usada para justificar o número de entrevistas foi o conceito de saturação. O que isso significa?
Em qualquer área de pesquisa, os entrevistados têm, na maioria das vezes, diferentes pontos de vista, mas em certo momento pode parecer ao entrevistador que as opiniões começam a se repetir. A amostra teria então atingido o ponto de saturação. É hora de parar a coleta de dados: o pesquisador “sente” que os temas já se esgotaram porque as pessoas estão repetindo as respostas dadas anteriormente por outras pessoas.


Saturação é o ponto da coleta de dados em que nenhuma informação nova emerge de uma nova entrevista. 
              
Mas há alguns problemas com esta definição. Primeiro, é possível que o orçamento ou o número de respondentes se esgote antes de as pessoas começarem a se repetir. Segundo, o que é repetição? As mesmas palavras, ou podem ser sinônimos, ou bastam idéias similares? Terceiro, meu viés de professora de estatística insiste em perguntar: quantas repetições são necessárias para que o pesquisador “sinta” que está na hora de parar?
Rola Ajjawi ainda pergunta: é possível alcançar a saturação em pesquisas qualitativas?  Será que a próxima pessoa que será entrevistada não pode contar uma experiência muito diferente? Será que uma análise mais profunda não poderia identificar outros entendimentos e significados relacionados com a experiência – e não meros repetecos?
O’REILLY and Parker5 criticam o conceito de saturação usado corriqueiramente em pesquisas qualitativas. Segundo esses autores, saturação é um "marcador de adequação da amostragem”, ou seja, é o critério comumente usado para indicar que se deve parar de amostrar.
 Mas a noção de saturação, fundamentada em teoria, não se refere ao ponto em que não emergem novas idéias. Significa que as categorias estão bem estabelecidas, que a diferença entre elas faz sentido e as relações estabelecidas permitem estabelecer uma conclusão. Portanto, pode-se argumentar como Keen6 que o conceito de saturação admite variações.
A saturação descritiva ocorre quando o pesquisador constata que não estão surgindo novas descrições, novos temas ou novas categorias, na  sua coleta de dados. Este conceito contrasta com o conceito de saturação teórica, que diz que o pesquisador deve não só se certificar que tem uma categorização dos dados coletados, mas também explica como os diversos códigos, categorias e conceitos se interconectam, para considerar que houve saturação.
De qualquer forma, o conceito de saturação tem sido explorado em detalhes por vários autores, mas ainda é muito debatido e – dizem alguns – pouco compreendido. Há muita discussão na Internet7. Os pesquisadores da área qualitativa às vezes usam esse conceito para alegar que não se pode estabelecer, a priori, o tamanho da amostra que será necessária para obter bons resultados de entrevistas. Mas como os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) exigem, para aprovar um projeto de pesquisa, que se especifique o tamanho da amostra, é preciso estabelecer pelo menos um intervalo de variação. Afinal, você tem restrições de tempo e dinheiro. Conversar com alguém com conhecimento da área e experiência em pesquisa qualitativa, que olhe o trabalho com cuidado considerando os pontos já levantados, ajuda – e muito.
Referências
1.    Flick, Uwe in Baker, S. E. e Edwards, R How many qualitative interviews is enough. (2012)  http://eprints.ncrm.ac.uk/2273/4/how_many_interviews
2.    Ajjawi, R. Sample size in qualitative research Medical Education Research Network. blogs.cmdn.dundee.ac.uk/meded.../tag/sample-size/
3.    Adler, P.A. e Adler, P. in Baker, S. E. e Edwards, R How many qualitative interviews is enough. (2012)  http://eprints.ncrm.ac.uk/2273/4/how_many_interviews
4.    Mason, M Sample Size and Saturation in PhD Studies Using Qualitative Interviews. FQS.  Volume 11, Nº 3, Art. 8 – September 2010.
5.    O’Reilly, M., & Parker, N. ‘Unsatisfactory Saturation’: a critical exploration of the notion of saturated sample sizes in qualitative research. Qualitative Research, 13(2), 190-197. (2013).
6.    Keen, A. Saturation in qualitative research: distinguishing between descriptive and theoretical saturation www.rcn.org.uk/
7.    Procure: How many interviews are needed in a qualitative research ...www.researchgate.net/.../How_many_interviews_are



Rola AjjawiNews8 comments      

 

 

Thursday, January 02, 2014

Vantagens e desvantagens das entrevistas qualitativas

As entrevistas qualitativas permitem estudar aspectos da vida sobre o quais o entrevistador tem experiência e considerável interesse. E é só assim que a entrevista pode fornecer pormenores da visão de mundo do entrevistado. O entrevistador esboça o quadro rascunhando algumas poucas questões – e espera pacientemente as respostas para completar cada entrevista.
É preciso que o entrevistador esteja consciente de que deve buscar as opiniões, as ideias, os sonhos, a vivência do entrevistado. Sua obrigação é ouvir. Não pode, portanto, entabular conversa e muito menos começar uma discussão. O que importa é entender a “verdade” do entrevistado. E - para isso - é  preciso maturidade e considerável percepção, além de saber tratar as pessoas. 

A análise das informações levantadas nas entrevistas face a face é difícil, porque o volume de respostas é muito grande e a forma de registro não é planejada previamente. A análise exige, portanto, grande esforço. O pesquisador precisa expor o pensamento de cada participante com muito cuidado, buscando a consistência. E é sempre recomendável que, terminado o trabalho, o pesquisador possa propor tópicos para novas pesquisas.

As entrevistas face a face permitem maior compreensão das opiniões do entrevistado. No entanto, como entrevistar por telefone ou pela internet é fácil e barato, o procedimento fica muito tentador – apesar do sacrifício da confiabilidade e validade das informações.

A grande vantagem das entrevistas qualitativas é o fato de trabalhar questões de valores e não se limitar às variáveis predefinidas. A grande desvantagem está na possibilidade de viés das respostas - mesmo que o entrevistador seja muito bem treinado. Mas a desvantagem sempre trazida à baila pelos críticos é, sem dúvida, o fato de a pesquisa qualitativa não ser respeitada pelos pesquisadores que poderíamos chamar de “clássicos”.

Finalmente, cabe sempre lembrar que as entrevistas face a face têm a vantagem, sobre as pesquisas feitas com grupos focais, de não ter a opinião de alguns dos participantes influenciando a opinião de outros – como sempre acontece na discussão de grupos.  Mas a pesquisa por meio de grupos focais é a opção para o pesquisador que quer muita informação de muitas fontes. Só que neste caso, já no projeto, o pesquisador deve mostrar que tem espaço físico onde coordenar a reunião e verba para locomoção e lanche dos participantes, além da possibilidade de análise.