Provavelmente, a pergunta que mais ouvi
na minha vida profissional de estatística foi: “de que tamanho deve ser minha
amostra?”. A pergunta surge assim, do nada, como se eu pudesse, tal qual um
oráculo, dar respostas sem saber o que está sendo tratado. Mas já aprendi – por
conta de muita leitura na área – a melhor resposta: “depende”. O problema é que essa resposta não encerra a
questão, traz outra: “depende do que”?
Na
pesquisa quantitativa, o tamanho da amostra pode ser calculado por meio de
fórmulas. No entanto, o fato de o
estatístico saber indicar a fórmula para o problema apresentado não basta. É
preciso que o pesquisador tenha algumas informações de natureza numérica sobre
as variáveis que estuda. Mas vamos deixar isso de lado para tratar aqui de
outro assunto, que muito me tem intrigado depois que comecei a dar aulas de
Metodologia Científica no Curso de Mestrado em Bioética do Centro Universitário
São Camilo. Os alunos fazem pesquisa na área qualitativa ou fazem revisão da
literatura, o que é esperado em função do conhecimento que eles têm e que
buscam expandir. Qual deve ser o tamanho da amostra na pesquisa qualitativa?
Uwe
Flick1, autor consagrado na área, considera que, no delineamento de
entrevistas qualitativas, é preciso refletir sobre o que se espera dos
entrevistados, quanto tempo é preciso para conseguir boas entrevistas, a facilidade
de acesso aos possíveis entrevistados e, se o estudo for longitudinal, o número
de vezes que as entrevistas serão repetidas. O tamanho da amostra depende de
contrabalançar todas essas considerações – e fazer caber tudo dentro do
orçamento.
Já Rola Ajjawi2 considera
que o tamanho da amostra depende de contrapor profundidade e abrangência: um
estudo fenomenológico que exija grande envolvimento do pesquisador com os
participantes pede menos gente do que um estudo fundamentado em teoria que pretenda
levantar, de cada entrevistado, uma só resposta para uma única pergunta.
Mas a grande questão para estabelecer o tamanho da amostra é pragmática. Afinal, estamos falando de uma dissertação? Segundo Adler and Adler3, o orientador deve limitar o projeto do aluno de três maneiras, isto é, dizer ao aluno para:
Mas a grande questão para estabelecer o tamanho da amostra é pragmática. Afinal, estamos falando de uma dissertação? Segundo Adler and Adler3, o orientador deve limitar o projeto do aluno de três maneiras, isto é, dizer ao aluno para:
1.
Trabalhar em lugares onde conhece as
pessoas, onde tem familiaridade com a situação e transita com facilidade, ou
seja, trabalhar com o que de fato consegue administrar.
2.
Evitar assuntos altamente polêmicos ou fazer
entrevistas de pessoas em situações ilegais, com populações vulneráveis ou que
tenham grandes diferenças com eles próprios, ou seja, num primeiro trabalho de
entrevista não se lançar demais. Fazer isso quando tiver um pouco mais de
experiência.
3.
Entrevistar cerca de doze pessoas. Esse
número permite ganhar experiência no planejamento das entrevistas, de transcrevê-las
e tirar conclusões. Mais do que isso, pode ser difícil devido à limitação de
tempo para desenvolver uma dissertação. Numa tese de doutorado, pode-se chegar a
30, ou um número pouco maior, de entrevistas.
Um
estudo interessante – pelo menos do ponto de vista da crítica – foi feito por Mark
Mason4. Esse autor levantou uma amostra de teses de doutorado apresentadas
em diversas universidades dos Estados Unidos da América que utilizaram
entrevistas qualitativas como o método. Atenderam aos critérios de inclusão 560
(quinhentos e sessenta) teses. O tamanho médio das amostras foi 31, mas
uma proporção significativa das teses estudadas apresentou tamanhos de amostra
que eram múltiplos de dez. Esse fato sugere que os tamanhos das amostras
foram estabelecidos antes do início das pesquisas, embora a explicação mais
usada para justificar o número de entrevistas foi o conceito de saturação. O que isso significa?
Em
qualquer área de pesquisa, os entrevistados têm, na maioria das vezes,
diferentes pontos de vista, mas em certo momento pode parecer ao entrevistador
que as opiniões começam a se repetir. A amostra teria então atingido o ponto de
saturação. É hora de parar a coleta de dados: o pesquisador “sente” que os
temas já se esgotaram porque as pessoas estão repetindo as respostas dadas
anteriormente por outras pessoas.
Saturação é
o ponto da coleta de dados em que nenhuma informação nova emerge de uma nova
entrevista.
Mas
há alguns problemas com esta definição. Primeiro, é possível que o orçamento ou
o número de respondentes se esgote antes de as pessoas começarem a se repetir. Segundo,
o que é repetição? As mesmas palavras, ou podem ser sinônimos, ou bastam idéias
similares? Terceiro, meu viés de professora de estatística insiste em
perguntar: quantas repetições são necessárias para que o pesquisador “sinta”
que está na hora de parar?
Rola Ajjawi ainda pergunta: é possível
alcançar a saturação em pesquisas qualitativas?
Será que a próxima pessoa que será entrevistada não pode contar uma
experiência muito diferente? Será que uma análise mais profunda não poderia
identificar outros entendimentos e significados relacionados com a experiência
– e não meros repetecos?
O’REILLY
and Parker5 criticam o conceito de saturação usado corriqueiramente em
pesquisas qualitativas. Segundo esses autores, saturação é um "marcador de adequação da amostragem”, ou seja,
é o critério comumente usado para indicar que se deve parar de amostrar.
Mas a noção de saturação, fundamentada em
teoria, não se refere ao ponto em que não emergem novas idéias. Significa que
as categorias estão bem estabelecidas, que a diferença entre elas faz sentido e
as relações estabelecidas permitem estabelecer uma conclusão. Portanto, pode-se
argumentar como Keen6 que o conceito de saturação admite variações.
A saturação descritiva ocorre quando o
pesquisador constata que não estão
surgindo novas descrições, novos temas ou novas categorias, na sua coleta de dados. Este conceito
contrasta com o conceito de saturação
teórica, que diz que o pesquisador deve não só se certificar que tem uma
categorização dos dados coletados, mas também explica como os diversos códigos,
categorias e conceitos se interconectam, para considerar que houve saturação.
De
qualquer forma, o conceito de saturação tem sido explorado em detalhes por
vários autores, mas ainda é muito debatido e – dizem alguns – pouco
compreendido. Há muita discussão na Internet7. Os pesquisadores
da área qualitativa às vezes usam esse conceito para alegar que não se pode
estabelecer, a priori, o tamanho da amostra que será necessária para obter bons
resultados de entrevistas. Mas como os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP)
exigem, para aprovar um projeto de pesquisa, que se especifique o tamanho da
amostra, é preciso estabelecer pelo menos um intervalo de variação. Afinal,
você tem restrições de tempo e dinheiro. Conversar com alguém com conhecimento
da área e experiência em pesquisa qualitativa, que olhe o trabalho com cuidado
considerando os pontos já levantados, ajuda – e muito.
Referências
1.
Flick,
Uwe in Baker, S. E. e Edwards, R How many qualitative interviews is enough. (2012)
http://eprints.ncrm.ac.uk/2273/4/how_many_interviews
2.
Ajjawi, R. Sample size in qualitative research Medical
Education Research Network. blogs.cmdn.dundee.ac.uk/meded.../tag/sample-size/
3.
Adler,
P.A. e Adler, P. in Baker, S. E. e Edwards, R How many qualitative interviews is
enough. (2012) http://eprints.ncrm.ac.uk/2273/4/how_many_interviews
4.
Mason,
M Sample Size and Saturation in PhD Studies Using Qualitative Interviews.
FQS. Volume 11, Nº 3,
Art. 8 – September 2010.
5.
O’Reilly,
M., & Parker, N. ‘Unsatisfactory Saturation’: a critical exploration of the
notion of saturated sample sizes in qualitative research. Qualitative Research,
13(2), 190-197. (2013).
6.
Keen,
A. Saturation in qualitative research: distinguishing
between descriptive and theoretical saturation www.rcn.org.uk/
7. Procure: How many interviews are needed in a
qualitative research ...www.researchgate.net/.../How_many_interviews_are
2 comments:
Bom dia professora,
Obrigada por seus esclarecimentos. Ajudou-me muito.
Parabéns pelo seu blog.
Albiege Sales
ótimo artigo, foi de grande ajuda. obrigada!
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