Biodisponibilidade
(bioavailability) é um
termo usado em farmacocinética para descrever a quantidade e a velocidade com que uma droga ou outra substância fica
disponível em seu lugar de ação depois de ter sido administrada, em dose única.
Mas
nem sempre é possível medir a concentração da droga em seu lugar de ação. Por essa razão, a concentração da droga é
monitorada no sangue ou na urina. O
pressuposto é o de que a concentração da droga em seu lugar de ação está em equilíbrio com a concentração da droga no
sangue ou na urina.
São
então conduzidos ensaios nos quais se pré-estabelecem dosagem, via de
administração e forma farmacêutica (comprimido, cápsula, pó, solução ou
suspensão) da droga, além dos intervalos de tempo em que serão feitas as
medições. Se o ensaio for feito com seres humanos, é preciso recrutar
voluntários seguindo as normas da CONEP-CNS- MS1 e os critérios de
elegibilidade, dados pela ANVISA2.
Análise
estatística dos dados
Determinar a
biodisponibilidade de uma droga, na prática, significa calcular em que quantidade e quão depressa
essa droga aparece no sangue (ou na urina) do participante de pesquisa, depois
de administrada em dose única.
Para
isso, são tomadas diversas amostras de sangue (ou na urina) do mesmo voluntário – uma imediatamente antes da
administração da droga e as demais nos intervalos de tempo pré-estabelecidos. A concentração da droga no sangue (ou na urina) é medida em cada tempo.
É
usual indicar a dose administrada da droga (loading
dose) por D e medir as
concentrações da droga no sangue ou na urina em microgramas por mililitro. O
intervalo de tempo (dosing
interval) em que são feitas as medições é indicado pela letra
grega t (lê-se tau) e a unidade de medida é,
usualmente, hora.
Exemplo
Para bem entender o procedimento de cálculo, veja os dados (fictícios) apresentados na tabela abaixo.
Tempo (em horas)
após a administração da droga a um voluntário e a concentração (em microgramas por mililitro)
da droga no sangue
Com os pares de dados obtidos – tempo em que foi tomada cada amostra de sangue e concentração da
droga nessa amostra de sangue – desenha-se a curva da concentração da droga em
função do tempo. Veja a figura abaixo.
Três importantes parâmetros
farmacocinéticos são obtidos diretamente da curva de concentração da droga no
sangue (ou na urina).
§ Concentração máxima (Cmáx)
§ Tempo para atingir a concentração
máxima (Tmáx)
§ Área sob
a curva de concentração (ASC).
Concentração
máxima (maximum concentration) é
o pico da concentração que uma droga
atinge em lugar especificado depois de administrada e antes da administração de
uma segunda dose. Indica-se a concentração máxima por Cmax.
Cmax = max { C0, C1, . . ., Ck }
Tempo
para atingir a concentração máxima
é
o tempo que a droga demora em atingir a concentração máxima, ou seja, é a
abscissa do ponto que corresponde à concentração máxima. Indica-se por Tmáx.
Na
prática, obtém-se a concentração máxima e, consequentemente, o tempo para
atingir a concentração máxima, das próprias observações.
Exemplo
No caso do exemplo, tem-se que:
Cmax = 205,4 mg/mL
Tmáx = 2 horas
A
área
sob a curva de concentração (area
under the concentration curve), que se indica por ASC (em inglês, AUC) é um
dos principais parâmetros farmacocinéticos. Existem diversos métodos para
estimar a ASC, mas o método dos trapézios (trapezoidal rule) apresentado
em seguida, embora seja apenas uma aproximação, é o mais simples.
Método dos trapézios para obter a ASC
Sejam 0, t1,
t2, . . . , tk os tempos em
que foram tomadas amostras de sangue do voluntário e sejam C0, C1, C2,..., Ck as concentrações da droga medidas no sangue. A área sob a curva, desde o
tempo zero até o tempo tk em que foi tomada a k-ésima (última) medida da concentração, é indicada
por ASC(0 - tk) e obtida da seguinte maneira:
·
Baixam-se segmentos
de reta paralelos à ordenada, dos pontos do gráfico até a abscissa; formam-se
assim um triângulo e diversos trapézios;
·
Calculam-se as áreas
dessas figuras;
·
Somam-se os valores
das áreas, obtendo assim a área sob a curva de concentração.
Exemplo
Com os dados do exemplo já apresentado, foi
desenhada a curva
da concentração
da droga em
função do tempo. Veja agora a reapresentação
dessa curva, depois de baixados os
segmentos de reta de cada ponto do gráfico até a abscissa, em paralelo com a
ordenada. Há primeiro um triângulo e depois vários trapézios. Lembre-se de que
a área de um trapézio é dada por:
Agora, note o trapézio apoiado na abscissa,
com valores entre 1 hora e 2 horas. Esse trapézio foi desenhado embaixo da
curva e depois, na sequência, girado para que o leitor mais bem visualize o
cálculo da área. Temos:
·
a base
maior (vermelho) é a ordenada da concentração no tempo 2, ou seja, C2
= 205,4;
·
a base
menor (azul)é a ordenada da concentração no tempo 1, ou seja, C1 =76,8;
· a altura (preto) é o intervalo de tempo
entre 1 e 2 horas. Logo t =1.
A área do trapézio destacado é:
As áreas do triângulo e dos demais trapézios
formados por dois tempos consecutivos de coleta e suas respectivas
concentrações estão na tabela abaixo.
A fórmula para obter a área sob a curva
desde zero até o tempo tk é:
Se a k-
ésima medida Ck (última)
de concentração da droga em seu lugar
de ação for diferente de zero, pode haver
interesse em estimar a área sob a curva de concentração até o tempo de
completa eliminação da droga.
Essa
área, chamada curva de concentração da droga de zero até o infinito, é
indicada por ASC (0-∞) e pode ser estimada como segue:
Para
estimar l, é preciso pressupor que a concentração
medida nos quatro (ou seis, se houver) últimos tempos decresce segundo uma
exponencial, isto é, segundo a curva:
Exemplo
A exponencial ajustada aos quatro últimos pares de dados que se
seguem, do exemplo, é
Ŷ = 596,19 e-0,7298t
A taxa de eliminação
constante da droga é (l)= 0,7298 e a área sob a curva de concentração da droga de zero até o infinito é:
A
porção remanescente da área de tk ao infinito pode ser relativamente grande se a concentração da droga no
sangue for grande no instante tk.
A área
sob a curva do tempo zero ao tempo tk
deve ser, então, igual ou superior a 80% da área sob a curva de zero a
infinito, de acordo com a legislação brasileira. Para o exemplo,
0,8 x 376,7024 = 301,3619 < 363
Em geral, a preocupação é com a extensão da absorção (ou seja, com a
fração da quantidade administrada que chega à corrente sanguínea), pois essa é
a dose efetiva da droga, quase sempre menor do que a quantidade administrada.
Em casos agudos, porém, a velocidade da absorção também preocupa.
Referências
1 Conceitos de
farmacocinética constam nos itens II. 2 - e, f da Resolução 251/97-CNS/MS
(inciso II. 1).
2 Veja a Resolução nº
896 da ANVISA, de 29 de maio de 2003.
3 CHOW, S. C., LIU, J.L. Design and analysis of bioavailability and bioequivalence studies. New
York: Marcel Dekker, 2000.
medical-dictionary.thefreedictionary.com/maximum.
2 comments:
Olá Sônia,
Tenho uma dúvida bastante pertinente.
Qual a diferença entre a Acurácia de um modelo preditivo e a área sob a Curva (AUC).
Algumas literaturas dizem que é a mesma coisa, outras informam que a acurácia é apenas um ponto nessa curva (curva ROC).
Sônia, seriam então conceitos diferentes?
Poderia me recomendar uma leitura sobre esse assunto?
Sobre modelos de classificação e modelos estatísticos preditivos.
Abs,
Olá, Celina, minha sugestão é buscar um livro texto, como
Evidence-Based Diagnosis (Practical Guides to Biostatistics and Epidemiology) 1st Edition, eBook Kindle de Thomas B. Newman & Michael A. Kohn.
Vou estudar, talvez eu possa ser mais útil se aprender bem o assunto.
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