Sunday, September 21, 2025

Dados de Contagem: A Misteriosa Transformação para Raiz Quadrada

 

Quando um pesquisador obtém dados por processo de contagem e pretende comparar médias de grupos por meio de uma ANOVA, é comum o estatístico realizar a análise usando não os dados brutos, mas sim a raiz quadrada deles, ou outra transformação. Isso leva o pesquisador a questionar: qual a razão para essa transformação?

Dados de contagem (número de insetos em uma planta, número de células em uma placa de Petri, número de sementes germinadas etc.) geralmente seguem a distribuição de Poisson. A distribuição de Poisson só se aproxima de uma normal quando μ é grande (μ > 5). Se isso não acontecer, os dados não atenderão às pressuposições para a ANOVA. Por quê?

Identificação do Problema

Nos dados de contagem, valores baixos são frequentes e valores altos são raros. Consequentemente, os resíduos não terão distribuição normal, nem mesmo simétrica, o que é exigência para uma ANOVA. Além disso, em distribuições de Poisson, a variância é igual à média (σ² = μ). Se as médias dos grupos forem diferentes, as variâncias também serão. A pressuposição de homocedasticidade (variâncias homogêneas), exigida pela ANOVA, não será alcançada. É preciso, portanto, estabilizar a variância.

A Lógica da Estabilização da Variância

Para uma variável aleatória X com distribuição de Poisson, temos:

E[X]=μ

Var[X]=μ

A variância de uma variável transformada é encontrada usando a expansão de Taylor (Método Delta).

Para 


  onde X ~ Poisson(μ):

           
Fazendo 


 a variância de Y torna-se aproximadamente constante (0,25), independente de μ.

Aplicação da Correção para Zeros

Para contagens com média entre 5 e 20, a transformação  é eficaz. No entanto, se houver muitos zeros, use a transformação de Anscombe:

ou uma correção simplificada, também eficaz:

Limitações e Alternativas Modernas

As transformações são uma ferramenta clássica e útil, mas têm desvantagens: podem dificultar a interpretação dos resultados (pois os dados são analisados em outra escala) e nem sempre resolvem todos os problemas perfeitamente.

Atualmente, a metodologia estatística mais recomendada para dados de contagem é o uso de Modelos Lineares Generalizados (GLMs), especificamente o modelo Poisson ou, se houver superdispersão, o modelo Binomial Negativo. Esses modelos são mais poderosos e flexíveis, pois analisam os dados em sua escala original e modelam explicitamente a distribuição probabilística dos dados. No entanto, as transformações de variáveis ainda são muito utilizadas.

Aplicação Prática

Considere os dados de contagem apresentados na Tabela 1, obtidos da contagem do número de folhas com lesões em plantas com determinada doença, divididas em um grupo tratado e um grupo controle.

Tabela 1: Dados brutos de contagem

Tratado

Controle

16

9

4

49

25

9

9

36

1

25

9

36

16

9

4

49

25

9

9

36

1

25

9

36

Média = 10,67

Média = 27,33

Variância = 68,61

Variância =235,88


A simples observação das médias e variâncias na escala original já evidencia o problema: o grupo controle tem média maior e, conforme esperado pela distribuição de Poisson, uma variância muito maior (235,88 vs. 68,61), indicando forte heterocedasticidade.

Ao aplicarmos a transformação de raiz quadrada, obtemos os dados da Tabela 2.

Tabela 2: Dados transformados

Tratado

Controle

4

3

2

7

5

3

3

6

1

5

3

6

4

3

2

7

5

3

3

6

1

5

3

6

Média = 3,00

Média = 5,00

Variância =1,82

Variância = 2,55

 

O efeito estabilizador da transformação é claro. As variâncias, que antes diferiam drasticamente, agora são muito próximas e homogêneas (1,82 vs. 2,55). Somente após essa transformação os dados podem ser submetidos com validade a uma ANOVA. Ao proceder com a análise, o valor de F obtido é significativo ao nível de 5%, levando à conclusão de que há uma diferença estatística entre os grupos.

  Explicação Detalhada do Cálculo da Variância da transformada raiz quadrada de

Este cálculo é baseado no Método Delta, que é uma forma de aproximar a média e a variância de uma função de uma variável aleatória Y=g(X)) quando sabemos a média e a variância de X.

Passo a Passo:

1.     Expansão de Taylor: Aproximamos a função g(X) por uma reta perto da média μ de X. A expansão de Taylor de primeira ordem é:

                                   Y =  ≈ g(μ) + g(μ)(Xμ)

No nosso caso, g(X) =X. Então:

2.     Cálculo do Valor Esperado E[Y]): Aplicamos o operador esperança na aproximação:

Como μ e 1/2m são constantes:  

Sabendo que E[(X−μ)] = 0:

 

3.     Cálculo da Variância (Var[Y]Var[Y]): A variância mede o desvio quadrático em torno da média. Usamos a mesma aproximação linear:

      Sabemos que E[Y] ≈ m . Então:

             Simplificando:

          Como 1/4 é constante:

          Por definição, 

                                          

          Substituindo:

É por esse resultado fantástico (1/4) que a transformação é tão poderosa. A variância deixa de ser μ (que muda de grupo para grupo) e se torna uma constante (0,25), satisfazendo a premissa de homocedasticidade da ANOVA.

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