Quando você ouve dizer que os pigmeus da África têm, em média, 1,00 m de altura, fica com a impressão de que eles são baixinhos. Essa é exatamente a impressão que essa média deve transmitir. Mas essa média não informa – nem poderia! – que todos os pigmeus têm 1,00 m de altura, ou que há pigmeus mais altos, outros mais baixos e outros com altura igual à média.
É absurdo pensar que, se existe uma média, todos são iguais à média. O conceito de média é puramente estatístico. Afinal, a média é a soma de todos os números, dividida pelo número deles. Um valor igual à média pode nem existir no conjunto. Por exemplo, qual é a média de 1, 2, 3 e 4? Para chegar ao resultado, você soma todos os dados e divide o total pelo número de dados somados, ou seja:
Veja um exemplo real. Considere a taxa de fecundidade no Brasil em 2020. Lembre-se de que taxa de fecundidade é uma estimativa do número médio de filhos que uma mulher tem ao longo da vida. No Brasil, em 2020, a taxa de fecundidade era 1, 76 filhos por mulher 1. Mas nenhuma mulher teve, obviamente, 1, 76 filhos. Há, evidentemente, uma variação em torno da média. Mas é a média que dá a tendência central dos dados. Simples assim.
A grande importância da média é fornecer um resumo das informações
disponíveis. Você sabe o que é saldo médio bancário e sabe qual foi a média de
gols em cada Copa do Mundo. Então você sabe que média não descreve o todo, mas
dá o ponto em torno do qual os dados se distribuem. A menos que todos os dados
sejam todos iguais, há sempre valores maiores – e valores menores – que a
média. Só um político em campanha
é capaz de prometer que, se eleito, todos os cidadãos terão salário acima da média...
E tenha sempre em mente: a média se refere ao grupo (estrato) da
população para o qual foi calculada. Não transfira o resultado obtido com um
grupo para outro grupo. Porque você bem sabe: a idade média de morte dos soldados
é menor do que a idade média de morte dos generais...
De qualquer forma, a média é a primeira informação sobre qualquer
variável. Veja um exemplo. Imagine que você foi contratado como gerente do
restaurante de uma faculdade que abre 25 dias por mês. Se você for informado
que o restaurante serve em média 200
refeições por dia, isso significa que o número de refeições servidas por dia
varia em torno de 200 e em 25 dias foram servidas 25 x 200 = 5000 refeições.
Você começa assim a ter ideia do trabalho que terá.
Mas para bem conhecer uma variável, é importante saber como essa variável
se distribui. Variáveis biológicas - como peso corporal, estatura, pressão
arterial - têm distribuição aproximadamente normal. Muitas variáveis estudadas
em Física e Engenharia - como resistência de materiais, coeficientes de
expansão ou de elasticidade, durabilidade de produtos – têm distribuição
aproximadamente normal. A distribuição das medidas tomadas em produtos
fabricados em série – como o diâmetro de tampas de garrafa PET – também é
normal. Portanto, o conhecimento da curva normal é importante no estudo de
diversas ciências.
Para entender
o que é distribuição normal, olhe a
Figura 1. A distribuição
normal tem características bem conhecidas:
·
é uma curva em forma
de sino;
·
a média está localizada no centro
da distribuição;
·
a curva é simétrica em torno da média.
Logo, 50% dos valores da variável aleatória X
são iguais ou maiores do que a média e 50% de seus valores são iguais ou menores do que a média;
·
a curva abriga 100% da população, ou
seja, o total dos valores que podem ser
assumidos pela variável aleatória está
sob a curva.
A distribuição das medidas biológicas foi estudada, pela primeira vez, por um matemático do século XIX, que levantou medidas em nada menos do que 5.732 soldados escoceses. Depois, organizou as medidas em tabelas de distribuição de frequências. Uma das medidas feitas pelo matemático foi perímetro torácico. A Tabela 1 apresenta a distribuição de frequências do perímetro torácico dos 5.732 soldados em 16 classes, todas com amplitude de uma polegada 2. Essa distribuição de frequências está apresentada em histograma na Figura 2.
Tabela 1 Perímetro torácico,
em polegadas, de soldados escoceses
Fonte: Daly, F.; Hand, D. J.; Jones, M.C; Lunn, A. D. and McConway, K. J.
Elements of
Statistics. Wokingham: Addison-Wesley Publishing
Company; 1995.
Figura 2. Histograma para o perímetro torácico, em polegadas, de soldados escoceses
Compare o histograma da Figura 13 com o gráfico da Figura 12. Note que as figuras têm configuração semelhante. Na Figura 3 foi desenhada a curva apresentada na Figura 1 sobre o histograma da Figura 2, para enfatizar a similaridade.
Figura 3.
Distribuição normal desenhada sobre um histograma
A maioria das medidas biológicas, desde que sejam
variáveis contínuas observadas em grandes amostras, dá origem a histogramas que
se assemelham à curva da distribuição normal. Então, tendo consciência do valor
da média, você fica sabendo que medidas dessa variável variam em torno da
média, para mais e para menos.
Logo, se você
for informado de que idosos tem, em média,
60 batimentos cardíacos por minuto, não vai pensar
que o coração da sua avó está parando, só porque você contou nela 58 batimentos cardíacos por minuto. Afinal, o valor medido está em torno da
média.
Mas a distribuição normal não acontece com as variáveis estudadas em Economia. Vamos lembrar que a forma mais tradicional de medir o desempenho da economia de um país é
olhando o Produto Interno Bruto (PIB). PIB é o valor, em dinheiro, dos bens
(como carros e mobiliário) e dos serviços (como educação e serviços médicos)
produzidos em determinado período de tempo. Mede, portanto, a riqueza total do
país. Também se mede a economia de um país pela renda domiciliar per capita.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os rendimentos domiciliares são obtidos pela soma dos rendimentos do
trabalho e de outras fontes, recebidos por cada morador no mês de referência da
pesquisa. O rendimento domiciliar per capita é a divisão dos rendimentos
domiciliares, em termos nominais, pelo total dos moradores. O resultado desse cálculo é, obviamente, uma média.
Com base nas informações colhidas pela Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua (PNAD Contínua)3, o
IBGE calculou as médias dos rendimentos domiciliares per capita
para o Brasil e para as unidades da federação, referentes a 2020. Para o
Brasil, o valor foi R$ 1.380,00. O menor valor registrado no país foi no
Maranhão, onde a concentração de renda é muito grande. Nesse Estado, a média da renda domiciliar per capita foi de R$676,00,
menor do que o salário mínimo vigente no Brasil, de R$1100,00. Como você vê,
tem razão Vinicius de Moraes 4,
quando escreveu "pátria minha, tão pobrinha!”
O Brasil é um país com grande
concentração de renda, enorme desigualdade social. Um relatório da Organização
das Nações Unidas (ONU) 5 divulgado
no final de 2019 mostrou que 1% da população mais rica detinha 28,3% da renda
do país, ou seja, mais de um quarto da renda do país estava nas mãos de 1% da
população. Ampliando a faixa de 1% para os 10% de brasileiros mais ricos, a
participação na renda do país chega a 41,9%. E o tamanho da disparidade assusta
quando se constata que 90% da população conseguem menos que 60% da renda total. Veja a Figura 4.
Figura 4
A desigualdade
na distribuição de renda mostrada pelas estatísticas oficiais do Brasil pode
até estar subestimada. Há sub declarações de renda dos ricos que têm o caixa
dois, isto é, dinheiro não registrado na contabilidade oficial; fazem lavagem
de dinheiro, que é o
procedimento usado para disfarçar a origem de recursos ilegais advindos, por
exemplo, de tráfico de drogas, contrabando, corrupção. Por outro lado, há uma
massa de pobres não contabilizados oficialmente, como a população de rua, de
tamanho ignorado uma vez que os censos demográficos só contam moradores de
domicílios permanentes. Isso tudo faz os ricos parecerem menos ricos e os
pobres menos pobres.
Mas há mais coisas entre o céu e a terra do que
sonha a nossa vã filosofia 6. Segundo
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua-2019 (PNAD
Contínua), a população
brasileira é composta por 51,8% de
mulheres e 48,2% de homens 7. As mulheres são, em média, mais
escolarizadas do que os homens, mas têm menor inserção no mercado de trabalho e
na vida pública. É
gritante, mas em 2020 as mulheres eram 14,8% dos deputados, 16% dos vereadores e 7,1%
dos ministros.
O Estudo de Estatísticas de Gênero do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) 8 aponta outra triste verdade:
em 2019, as mulheres receberam 77% dos salários dos homens. O rendimento médio mensal dos homens foi de R$2.555, enquanto o das
mulheres foi de R$1.985. E essa diferença ficava maior
em cargos de maior rendimento, como diretorias e gerências. Nesses cargos, as
mulheres ganharam 61,9% dos rendimentos dos homens.
Por outro lado, as mulheres sempre cumpriram a maior parte das atividades domésticas e foram sempre as cuidadoras de crianças, idosos e pessoas especiais. Em 2019, as mulheres dedicaram aos afazeres domésticos ou aos cuidados de pessoas quase o dobro do tempo que os homens: 21,4 horas contra 11 horas semanais. Pois é, o machismo estrutural no Brasil escandaliza até uma criancinha...
As mulheres são menos capazes do que os homens para trabalhos intelectuais? As estatísticas desmentem: em 2018 o Fundo Monetário Internacional (FMI) analisou dados de mais de 100 países em questões como acesso ao sistema financeiro (como crédito e contas bancárias) e ascensão profissional feminina no setor bancário 9. A conclusão foi de que mulheres, quando mais fortes financeiramente, investem no bem-estar da família. Isso foi percebido no Brasil, por conta do programa Bolsa Família 10. E também se notou que a pandemia de COVID-19 foi mais bem controlada em países governados por mulheres. Aliás, um artigo da colunista Avivah Wittenberg-Cox na revista Forbes considerou essas mulheres "exemplos de verdadeira liderança"11.
“Woman Is the Nigger of the World”,
cantaram John Lennon e Yoko Ono no ano de 1972. E a saga continua: machismo e racismo. No
Brasil de 2021, desocupação e insegurança alimentar afetam mais os pretos e
pardos – logo afetam mais as mulheres negras. No segundo trimestre de 2021,
segundo dados da PNAD-Contínua do IBGE, enfrentavam o desemprego 16,2% dos
pretos e pardos e 11,7% dos brancos. Ainda, apresentavam algum grau de insegurança
alimentar (de leve a grave) 59,2% de pretos e pardos e 51,0% dos brancos 12. Pois é, no Brasil há grande
variação entre rendimento médio mensal de homens e mulheres, de brancos e negros.
Por aqui, homem branco é “doutor”.
REFERÊNCIAS
1.
População. Disponível em: https://brasilemsintese.ibge.gov.br/populacao/taxas-de-fecundidade-total.html. Acesso em 15 de outubro de 2021.
2.
Levantamento feito por Adolphe
Quetelet. 1796-1874. Note que no século XIX os homens eram, em média, mais
baixos do que são hoje.
3.
IBGE divulga rendimento domiciliar per capita 2020. Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/. Acesso em 22 de outubro de 2021.
4.
Moraes, Vinicius. Pátria minha. Disponível em: https://www.viniciusdemoraes.com.br/en/poesia/poesias-avulsas/patria-minha.
Acesso em 23 de novembro de 2021
5.
Recordista em desigualdade, país estuda
alternativas para ajudar os mais pobres. Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2021.
Acesso em 25 de outubro de 2021.
6. Tradução
livre da frase usada pelo
personagem-título da peça Hamlet, de William Shakespeare. Hamlet sugere que o conhecimento
humano é limitado. “There are more things in
Heaven and Earth, Horatio, / than are dreamt of in your philosophy.”
7. Conheça o Brasil – População. Quantidade de homens e mulheres. Disponível https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/ Acesso em 27 de outubro de 2021.
8. Estatísticas de Gênero - Indicadores sociais
das mulheres no Brasil. Disponível em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/genero/20163. Acesso em 27 de outubro de 2021.
9. Banco com mais mulheres na chefia tem melhores
resultados. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br. Acesso
em 25 de setembro de 2019.
10.
Faiçal,
R.; Hayward, I. Bottini, J M. O protagonismo feminino e o programa
bolsa família: do poder de escolha ao processo emancipatório da mulher
beneficiária. Disponível em
http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1499477265. Acesso em
30 de outubro de 2021.
11.
Avivah
Wittenberg-Cox Mulheres na liderança são o
diferencial dos países com as melhores respostas ao coronavírus. Disponível em https://forbes.com.br › Colunas. Acesso em 23 de novembro de 2021.
12.
Dia da Consciência Negra: Por que os negros são
maioria no sistema prisional? Disponível em
http://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/50418. Acesso em 3
de novembro de 2021.
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