Monday, June 15, 2020

COVID-19: estatísticas


O vírus SARS-CoV-2 surgiu no final de 2019 na China e depois se espalhou rapidamente em todo o mundo. Os cientistas estão se esforçando para encontrar antivirais e já existem propostas promissoras (1), mas o trabalho é muito demorado. No entanto, drogas conhecidas usadas no tratamento de outras infecções virais estão sendo testadas em estudos clínicos controlados e randomizados para verificar se elas também podem ser eficazes contra o vírus que causa a COVID-19. Mas o desenvolvimento de uma vacina, segura e eficaz, contra a doença provavelmente consumirá anos de pesquisa, mesmo que se quebrem protocolos.

A gravidade da doença pode variar de leve a crítica. O maior estudo coorte, feito na China com mais de 44.000 pessoas com COVID-19, mostrou que em 81% dos casos a doença é leve ou moderada, em 14% progride para severa e em 5% é crítica, podendo levar a óbito 2,3% deles (2). Nos EUA, 19% dos casos de COVID-19 precisaram hospitalização e 6% precisaram da unidade de terapia intensiva (UTI) (3). O tempo de internação de casos graves e críticos é longo. A mediana dos que sobreviveram quando tratados em unidades de terapia intensiva (UTI) ficou entre 12 e 14 dias (3).

O número básico de reprodução da infecção (número de pessoas que cada caso pode infectar) é 3, segundo uma estimativa muito em uso. A origem dessa informação pode ser a pesquisa, feita em janeiro deste ano por ingleses que usaram modelagem computacional de possíveis trajetórias epidêmicas, com dados reais da evolução da pandemia na China (4). Eles estimaram que cada caso de COVID-19 infecta, em média, 2,6 pessoas (intervalo de 95% de confiança: 1,5-3,5). Estudos mais recentes avaliam que esse número é bem mais alto (4), mas não se pode fugir à ideia de que qualquer estimativa para países com dinâmica de transmissão diversa e em plena pandemia é muito imprecisa.

 

De qualquer forma, tomando 3 como o número básico de reprodução de infecção do vírus SARS-CoV-2, que é apenas uma aproximação, o limiar de imunidade do rebanho é aproximadamente 67%. Isso significa que a probabilidade de incidência de infecção começará a diminuir assim que a proporção de indivíduos com imunidade adquirida à SARS-CoV-2 na população exceder 0,67 (5), ou seja, indivíduos suscetíveis estarão, então, mais protegidos.

 

Como o SARS-CoV-2 é um patógeno novo, muitas características de sua transmissão não são conhecidas. Mas viagens recentes de, ou para área com disseminação comunitária contínua, contato próximo com alguém que tenha COVID-19 (estar sem proteção a menos de 2 m de distância de quem está infectado e tossindo), cuidar de pessoa infectada e ser profissional de saúde parecem ser fatores de risco para doença. Risco de morte é maior para idosos e pacientes de qualquer idade com condições precárias de saúde, segundo dados atuais da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) (6). Homens também parecem ter maior risco de morte do que mulheres. E é razoável considerar que pobres têm maior risco de contágio e consequentemente de morte, pois vivem em moradias precárias e superlotadas, sem saneamento básico, praticamente sem atendimento de saúde, sem segurança alimentar e nutricional e, muitas vezes, sem a percepção do risco da doença.

O fato é que a COVID-19 é problema de saúde pública por causa da necessidade de internação dos casos graves e críticos, por praticamente meio mês cada um. Os sistemas hospitalares ficam sobrecarregados, alguns à beira do colapso. Mesmo em países ricos, faltam ou já faltaram leitos de UTI, testes, equipamentos médicos e equipamentos de proteção individual. O que acontecerá no Brasil quando não houver mais leitos nos hospitais nem atendimento médico para todos que precisam porque o sistema de saúde se esgotou? Em termos de ética, toda vida tem o mesmo valor. Então já se sabe de há muito que se deve “atender primeiro quem chegar primeiro”. Mas buscam-se alternativas: o certo seria atender primeiramente quem tem maior expectativa de vida (ou seja, o mais jovem) ou quem tem maior risco de morte (ou seja, o mais velho)? Tais escolhas comprometem a saúde mental dos profissionais da saúde e enchem de angústia os doentes e seus familiares, que aguardam atendimento na fila do Sistema Único de Saúde (SUS).

De qualquer modo, chamam a atenção nos noticiários tanto o número de novos casos como o número de óbitos. Esses números continuarão a crescer porque uma vacina não está no horizonte e o esgotamento dos suscetíveis só ocorrerá quando cerca de 70% da população tiver adquirido imunidade ao SARS-CoV-2. E o Brasil tem mais de 210 milhões de habitantes. Mas se o sistema de saúde operar em boas condições, mais vidas serão salvas, ou seja, diminuirão as mortes evitáveis (7). E para isso é preciso que a disseminação da doença seja mais lenta. Então o isolamento social (ou, até mesmo, o lockdown) é necessário para não exceder a capacidade de atendimento médico e do sistema funerário, apesar das consequências sociais, econômicas e educacionais serem profundamente negativas.

Restrições à circulação de pessoas não evitarão novos casos nem mortes devido à COVID-19, mas evitarão o colapso do sistema de saúde. Outras medidas importantes também devem ser tomadas, como expandir a capacidade das unidades de terapia intensiva (UTI), providenciar hospitais de campanha, identificar tratamentos que possam reduzir a demanda pela UTI, testagem em massa, rastreamento agressivo de infectados e vigilância a menos que surja um tratamento seguro e eficaz ou uma vacina esteja logo disponível (8). Mas, sobretudo, é preciso liderança inequívoca para a grave situação sanitária que o Brasil enfrenta. Ou será que a história se repetirá com “Après moi, le déluge”?

 

Referências

                      1.FOLHA DE SÃO PAULO. Remdesevir é hoje a droga mais promissora contra a COVID-19. 9 de maio de 2020.

 

                      2.Wu Z., McGoogan JM. Characteristics of and Important Lessons from the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Outbreak in China: Summary of a Report of 72314 Cases from the Chinese Center for Disease Control and Prevention. JAMA. 2020. Apud Interim Clinical Guidance for Management of Patients with Confirmed Coronavirus Disease (COVID-19). https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/clinical-guidance-management-patients.html

CDC COVID-19 Response Team.

 

                      3.      Severe Outcomes Among Patients with Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) — United States, February 12–March 16, 2020. MMWR Morbidity and mortality weekly report. 2020. https://www.cdc.gov/coronavirus/2019.

 

                      4.      Guan WJ, Ni ZY, Hu Y, et al. Clinical Characteristics of Coronavirus Disease 2019 in China. The New England journal of medicine. 2020. Apud Interim Clinical Guidance for Management of Patients with Confirmed Coronavirus Disease (COVID-19).

 

                      5.      Sanche S, Lin YT, Xu C, Romero-Severson E, Hengartner N, Ke R. High 338 contagiousness and rapid spread of severe acute respiratory syndrome coronavirus 2. 339 Emerg Infect Dis. 2020; 26: doi: 10.3201/eid2607.200282

 

                      6.      People Who Are at Higher Risk for Severe Illness.Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) CDC https://www.cdc.gov/coronavirus/2019

 

                      7.      N Imai, A Cori, I Dorigatti, M Baguelin, CA Donnelly, S Riley, NM Ferguson. Transmissibility of 2019-nCoV. Imperial College London; 25-01-2020. doi: https://doi.org/10.25561/77148.

 

                      8.      Herd immunity: Understanding COVID-19 2 Haley E Randolph1 and Luis B Barreiro1,2,3 3 4 5 6 1 Genetics, Genomics, and Systems Biology, University of Chicago, IL 7 2 Department of Medicine, Section of Genetic Medicine, University of Chicago, Chicago, IL 60637, 8 USA. 9 3 Committee on Immunology, University of Chicago, Chicago, IL 60637, USA.

 


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