O vírus SARS-CoV-2 surgiu no final de 2019 na China e depois se espalhou rapidamente em todo o mundo. Os cientistas estão se esforçando para encontrar antivirais e já existem propostas promissoras (1), mas o trabalho é muito demorado. No entanto, drogas conhecidas usadas no tratamento de outras infecções virais estão sendo testadas em estudos clínicos controlados e randomizados para verificar se elas também podem ser eficazes contra o vírus que causa a COVID-19. Mas o desenvolvimento de uma vacina, segura e eficaz, contra a doença provavelmente consumirá anos de pesquisa, mesmo que se quebrem protocolos.
A gravidade da doença pode variar de leve a crítica.
O
maior estudo coorte, feito na China
com mais de 44.000 pessoas com COVID-19, mostrou que
em 81% dos casos a doença é leve ou moderada, em
14% progride para severa e em 5% é crítica, podendo levar a óbito 2,3% deles (2).
Nos EUA, 19% dos casos de COVID-19 precisaram
hospitalização e 6% precisaram da unidade de terapia intensiva (UTI) (3). O tempo
de internação de
casos graves e críticos é longo. A mediana dos que sobreviveram quando tratados
em unidades de terapia intensiva (UTI) ficou entre 12 e 14 dias (3).
O número
básico de reprodução da infecção (número de pessoas que cada caso pode infectar)
é 3, segundo uma estimativa muito em uso. A origem dessa informação pode ser a
pesquisa, feita em janeiro deste ano por ingleses que usaram modelagem
computacional de possíveis trajetórias epidêmicas, com dados reais da evolução
da pandemia na China (4). Eles estimaram que cada caso de COVID-19 infecta,
em média, 2,6 pessoas (intervalo de 95% de confiança: 1,5-3,5). Estudos mais recentes avaliam
que esse número é bem mais alto (4), mas não se pode fugir à ideia de que
qualquer estimativa para países com dinâmica de transmissão diversa e em plena
pandemia é muito imprecisa.
De qualquer forma, tomando 3 como
o número
básico de reprodução de infecção do vírus SARS-CoV-2, que é apenas uma
aproximação, o limiar de imunidade do rebanho é aproximadamente 67%. Isso
significa que a probabilidade de incidência de infecção começará a diminuir
assim que a proporção de indivíduos com imunidade adquirida à SARS-CoV-2 na
população exceder 0,67 (5), ou seja, indivíduos suscetíveis estarão, então, mais
protegidos.
Como o SARS-CoV-2 é um
patógeno novo, muitas características de sua transmissão não são conhecidas.
Mas viagens recentes de, ou para
área com disseminação comunitária contínua, contato próximo com alguém que
tenha COVID-19 (estar sem proteção a menos de 2 m de distância de quem está
infectado e tossindo), cuidar de pessoa infectada e ser profissional de saúde parecem ser fatores
de risco para doença. Risco de morte é maior para idosos e pacientes de
qualquer idade com condições precárias de saúde, segundo dados atuais da
Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) (6). Homens também parecem ter maior
risco de morte do que mulheres. E é razoável considerar que pobres têm maior
risco de contágio e consequentemente de morte, pois vivem em moradias precárias
e superlotadas, sem saneamento básico, praticamente sem atendimento de saúde,
sem segurança alimentar e nutricional e, muitas vezes, sem a percepção do risco
da doença.
O fato é que a COVID-19 é problema de saúde pública por causa da necessidade
de internação dos casos graves e críticos, por praticamente meio mês cada um. Os sistemas
hospitalares ficam sobrecarregados, alguns à beira do colapso.
Mesmo em países ricos, faltam ou já faltaram leitos de UTI, testes, equipamentos
médicos e equipamentos de proteção individual. O que acontecerá no Brasil quando não houver mais
leitos nos hospitais nem atendimento médico para todos que precisam porque o
sistema de saúde se esgotou? Em termos de ética, toda vida tem o mesmo valor.
Então já se sabe de há muito que se deve “atender primeiro quem chegar primeiro”.
Mas buscam-se alternativas: o certo seria atender primeiramente quem tem maior expectativa de vida
(ou seja, o mais jovem) ou quem tem maior risco de morte (ou seja, o mais
velho)? Tais escolhas comprometem a saúde mental dos profissionais da saúde e
enchem de angústia os doentes e seus familiares, que aguardam atendimento na
fila do Sistema Único de Saúde (SUS).
De qualquer modo, chamam a
atenção nos noticiários tanto o número de novos casos como o número de óbitos. Esses
números continuarão a crescer porque uma vacina não está no horizonte e o esgotamento dos suscetíveis só ocorrerá quando cerca de
70% da população tiver adquirido
imunidade ao SARS-CoV-2. E o Brasil tem mais de 210 milhões de habitantes. Mas
se o sistema de saúde operar em boas condições, mais
vidas serão salvas, ou seja, diminuirão as mortes evitáveis (7). E para isso é preciso que a disseminação da doença seja mais lenta.
Então o isolamento social (ou, até mesmo, o lockdown) é necessário para não exceder a capacidade de atendimento médico e do sistema
funerário, apesar
das consequências sociais, econômicas
e educacionais serem
profundamente negativas.
Restrições à circulação de pessoas não evitarão novos
casos nem mortes devido à COVID-19, mas evitarão o colapso do sistema de saúde. Outras medidas importantes também devem ser tomadas, como expandir a capacidade das unidades de terapia intensiva
(UTI), providenciar hospitais de campanha, identificar tratamentos que possam
reduzir a demanda pela UTI, testagem em massa, rastreamento agressivo de
infectados e vigilância a menos que surja um tratamento seguro e eficaz ou uma vacina
esteja logo disponível (8). Mas, sobretudo, é preciso liderança inequívoca para
a grave situação sanitária que o Brasil enfrenta. Ou será que a história se
repetirá com “Après moi, le déluge”?
Referências
1.FOLHA
DE SÃO PAULO. Remdesevir é hoje a droga mais promissora contra a COVID-19. 9 de maio de 2020.
2.Wu Z., McGoogan JM. Characteristics
of and Important Lessons from the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Outbreak
in China: Summary of a Report of 72314 Cases from the Chinese Center for
Disease Control and Prevention. JAMA. 2020. Apud Interim Clinical Guidance
for Management of Patients with Confirmed Coronavirus Disease (COVID-19). https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/hcp/clinical-guidance-management-patients.html
CDC
COVID-19 Response Team.
3.
Severe Outcomes Among Patients with
Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) — United States, February 12–March 16,
2020. MMWR Morbidity
and mortality weekly report. 2020. https://www.cdc.gov/coronavirus/2019.
4.
Guan WJ, Ni ZY, Hu Y, et al. Clinical
Characteristics of Coronavirus Disease 2019 in China. The
New England journal of medicine. 2020. Apud Interim Clinical Guidance for
Management of Patients with Confirmed Coronavirus Disease (COVID-19).
5.
Sanche
S, Lin YT, Xu C, Romero-Severson E, Hengartner N, Ke R. High 338 contagiousness
and rapid spread of severe acute respiratory syndrome coronavirus 2. 339 Emerg
Infect Dis. 2020; 26: doi: 10.3201/eid2607.200282
6.
People
Who Are at Higher Risk for Severe Illness.Coronavirus Disease
2019 (COVID-19) CDC https://www.cdc.gov/coronavirus/2019
7.
N Imai, A
Cori, I Dorigatti, M Baguelin, CA Donnelly, S Riley, NM Ferguson. Transmissibility of
2019-nCoV. Imperial College London; 25-01-2020. doi: https://doi.org/10.25561/77148.
8.
Herd
immunity: Understanding COVID-19 2 Haley E Randolph1 and Luis B Barreiro1,2,3 3
4 5 6 1 Genetics, Genomics, and Systems Biology, University of Chicago, IL 7 2
Department of Medicine, Section of Genetic Medicine, University of Chicago, Chicago,
IL 60637, 8 USA. 9 3 Committee on Immunology, University of Chicago, Chicago,
IL 60637, USA.
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