A cárie afeta a
qualidade de vida das pessoas e consome recursos destinados à saúde. Para a
prevenção dessa doença, é usual indicar compostos
de fluor. Mas diferentes
autores têm sugerido, além do fluor, o uso de gomas de mascar (chiclete), principalmente
para crianças e jovens. Pesquisadores da Universidade de Michigan conduziram um
estudo coorte duplamente cego com 40 meses de duração em Belize, América
Central, no período de 1989-1993 para comparar o efeito de diferentes gomas de
mascar sobre a incidência de cáries 1.
Participaram desse
estudo 1.277 crianças, com idade média de 10,2 anos, distribuídos em nove grupos:
1) Nenhum controle sobre o uso de goma de mascar; 2) Goma com açúcar em barra
fina, cinco vezes por dia; 3) Goma em pastilha adoçada com sorbitol, cinco
vezes por dia; 4) Goma em pastilha adoçada com 45% de xilitol/30% de sorbitol,
cinco vezes por dia; 5) Goma em pastilha adoçada com 15% de xilitol/45% de
sorbitol, cinco vezes por dia; 6) Goma em barra adoçada com 60% de xilitol três
vezes por dia; 7) Goma em barra adoçada com 60% de xilitol cinco
vezes por dia; 8) Goma em pastilha adoçada com 65% de xilitol três vezes por
dia; 9) a em pastilha adoçada com 65% de xilitol cinco vezes por dia.
O uso de goma de
mascar foi feito durante o horário escolar, sempre supervisionado. O desfecho
primário foi o desenvolvimento de uma lesão de cárie sobre a superfície de dente
considerado hígido na primeira avaliação. Os resultados sugeriram que o uso
sistemático de gomas de mascar à base de polialcoóis reduz a incidência de
cárie em indivíduos jovens, com gengivas saudáveis. Gomas de mascar com xilitol
foram mais efetivas do que as gomas com sorbitol para reduzir de cárie. As
misturas de xilitol e sorbitol foram menos efetivas do que as gomas com xilitol
apenas, mas significantemente melhores do que o controle, que teve menos cáries
do que aqueles que mascaram gomas com sacarose.
Que o hábito de mascar chicletes adoçados com xilitol, um substituto do açúcar não fermentável pela microflora oral, faz diminuir a incidência de cárie é ideia razoável, embora o mecanismo de ação ainda não esteja devidamente esclarecido. Mas o xilitol pode ter outra indicação, porque in vitro diminui o crescimento de Streptococcus pneumoniae, como acontece com o Streptococcus mutans. Isso sugeriu o ensaio clínico conduzido na Finlândia com 306 crianças, com idades em torno de cinco anos 2. Elas foram distribuídas em dois grupos: um grupo, denominado controle positivo, recebeu goma de mascar com sacarose e o outro, denominado de intervenção, recebeu goma de mascar adoçado com xilitol (8,4 g/dia). O desfecho primário foi um episódio de otite média aguda. As crianças foram seguidas durante dois meses. A conclusão do estudo foi a de que a goma de mascar com xilitol parece ter efeito preventivo sobre a otite média aguda.
O que chamou minha atenção para este estudo foi o comentário 3 que o segue, intitulado “What about ethics?”. Aliás, li primeiro o comentário que explica as razões porque um comitê de ética britânico não concordaria com a condução do ensaio feito na Finlândia. O uso de gomas de mascar contendo sacarose tem risco para a saúde dental das crianças suscetíveis a cárie. O tempo do ensaio foi curto, mas cria-se o hábito? Os pesquisadores sabiam do risco, mas o ignoraram. E as crianças não foram acompanhadas por um odontopediatra.
Essas duas pesquisas – a de Belize e a da Finlândia – foram conduzidas na década de 90, quando já havia leis e normas internacionais para a condução de pesquisas em seres humanos. Então, não há como considerar que poderiam ter sido conduzidas, na forma em que foram. De qualquer forma, elas me lembraram do Den-den, um chiclete dos anos 80 desenvolvido no Brasil, quando ainda não havia a ANVISA, mas um departamento menor de vigilância sanitária, ligado ao Ministério da Saúde. Como eu me lembro da celeuma criada com o Den-den, resolvi buscar as pesquisas que levaram à criação do produto, para descrever as preocupações que existiam na odontologia, nesse tempo.
O gluconato de clorexidina é um antisséptico
químico, com ação antifúngica e bactericida, capaz de eliminar tanto bactérias
gram-positivas quanto gram-negativas. É usado em enxaguantes orais (Periogard).
É geralmente prescrito pelo dentista após cirurgias ou para tratamento
de gengivite, por curto período de tempo. Os efeitos colaterais mais comuns
associados aos enxágues orais com gluconato de clorexidina são: 1) escurecimento
dos dentes; 2) aumento na formação do cálculo; e 3) alteração na percepção do
paladar, se usado no longo prazo.
Por conta dos efeitos colaterais, que podem incluir, inclusive, alergia ao produto, os enxaguantes orais com gluconato de clorexidina só devem ser usados quando indicados por um dentista. Procurei, então, os ensaios que deveriam ter sido feitos para se chegar à fórmula do chiclete. Não encontrei qualquer outra informação além da citação de uma nota prévia 4.
Achei, porém, três artigos publicados quando o Den-den já era comercializado, ainda nos anos 80. O primeiro artigo 5 descreve um ensaio feito com crianças de “diversas” idades e “os mais diversos” hábitos de higiene bucal e alimentação. Não é dada a proveniência dessas crianças, nem o número delas. Foram feitos quatro mapeamentos dos dentes contendo placa dental: no início, décimo, vigésimo e trigésimo dias após o início do ensaio. Logo após o primeiro mapeamento, foram fornecidas gomas de mascar com gluconato de clorexidina (Den-den) às crianças, com a recomendação de mascar duas vezes ao dia, por pelo menos 15 minutos. Não há descrição de qualquer tipo de supervisão. Os resultados indicariam, segundo os autores, que o uso de duas gomas de mascar ao dia, por 15 minutos, é eficaz como agente antiplaca.
O
segundo artigo 6 traz a descrição de um ensaio feito com seis
estudantes de odontologia que cursavam a mesma faculdade, com idade média de 20
anos, todas de sexo feminino. No início,
foi obtido o índice de placa bacteriana para ser a linha de base e feito
polimento. O ensaio durou 12 dias e foi dividido em quatro fases. A primeira
fase, que durou três dias, serviu de controle: as participantes não fizeram qualquer
tipo de higiene bucal. Foi então medido o índice de placa e feito polimento. A
segunda fase do ensaio teve três dias de duração. As participantes também não
fizeram higiene bucal, mas mascaram todos os dias chicletes adoçados com
sacarose por meia hora, após as três principais refeições (marca Ping-pong). Foi
então medido o índice de placa e feito o polimento. As participantes iniciaram
a terceira fase do ensaio, que consistiu em mascar todo dia, por meia hora, um
chiclete adoçado com sorbitol e manitol (marca Trident), depois das três
principais refeições, sem outros cuidados de higiene bucal. Novamente, foi
medido o índice de placa. Depois, foi feito polimento e as participantes iniciaram
a quarta fase do ensaio, que consistiu em, sem fazer higiene bucal, mascar todo
dia, por meia hora, chiclete da marca Den-den, adoçado com sacarose e contendo
gluconato de clorexidina, após três refeições. Segundo os pesquisadores,
“qualquer goma de mascar é capaz de reduzir um alto índice de placa bacteriana”.
O
terceiro artigo 7 encontrado traz, comparando duas gomas de mascar,
uma convencional não identificada e o Den-den: 1) análise da inibição da
formação de placas em humanos; 2) análise da dissolução de placas em humanos; 3)
análise da atividade anticariogênica em ratos e depois uma análise química do Den-den.
Da
análise da inibição da formação de placas, 50 alunos da mesma faculdade de
odontologia participaram como voluntários. Feita a revelação de placa para
servir de linha de base, procedeu-se a uma profilaxia completa. Os alunos foram
então instruídos a não escovar os dentes durante o período do ensaio, mas
apenas mascar as gomas. Como o ensaio era duplo cego, administrou-se uma das
marcas comerciais dos chicletes por quatro dias para os alunos, com a recomendação
de mascar três tabletes por dia durante 15 minutos. Fez-se então a revelação
das placas e profilaxia. Depois, os alunos receberam a outra marca, com as
mesmas recomendações. Fez-se, em seguida, a revelação das placas. Iniciou-se,
então, a segunda fase do ensaio, para a análise da dissolução de placas. Participaram
42 dos 50 alunos que haviam participado da fase anterior do ensaio. Eles
permaneceram dois dias sem escovar os dentes. Foi feita a revelação de placa
para servir de linha de base. Depois, os participantes foram divididos em dois
grupos: um grupo deveria
mascar
goma convencional por 15 minutos e o outro grupo deveria mascar Den-den, também por 15
minutos. O ensaio era duplo cego. Fez-se, em seguida, a revelação das placas. Procedeu-se,
então à análise da atividade anticariogênica, usando ratos de laboratório.
Trinta ratos, com idades de 20 e 21 dias, foram divididos em três grupos: o
primeiro recebeu Den-den adicionado à ração, o segundo recebeu chiclete
convencional adicionado à ração e o terceiro só ração. Os pesquisadores
concluíram que o Den-den não apresenta atividade antiplaca, nem anticariogênica.
A análise química de dois tabletes de Den-den revelou cerca de 70% de sacarose
e uma quantidade mínima de clorexidina (aproximadamente
0,02 mg /tablete).
O
fato é que a vigilância sanitária do Ministério da Saúde proibiu a
comercialização do chiclete Den-den em 1984 por, segundo noticiado 8,
não concordar com o texto de publicidade do chiclete, que dizia: ”O chiclete
Den-den combate as cáries e protege os dentes”. Na verdade, o produto havia
sido registrado na Divisão de Cosméticos e Higiene (DICOP), número 7.590/82,
com a informação “ajuda a evitar a cárie e não a combate”. Segundo o fabricante,
eram vendidas cerca de 50 milhões de unidades por mês.
Mas o que se dizia à boca pequena no meio odontológico é que o chiclete era cariogênico. A explicação era simples: fabricado por uma fábrica de doces de Americana, cidade do interior do Estado de São Paulo, foi considerado necessário, no processo de fabricação, juntar açúcar ao chiclete porque isso melhorava o gosto.
O
episódio Den-den parecia encerrado quando achei, por acaso, em uma revista da
ABO, um editorial 9 relatando o estudo de Belize, acrescido de
comentários extemporâneos sobre o Den-den. De começo, o editorial diz que
“sorbitol, xilitol ou gluconato de clorexidina... (são) ingredientes que os pesquisadores
testam para avaliar a eficácia da goma de mascar na redução da cárie e da placa
dental”. Parece haver um engano: os pesquisadores testam as vantagens de adoçar
chicletes com açúcares não fermentáveis, mas não está em estudo a adição de antissépticos
bucais aos chicletes com sacarose (o açúcar comum, mais barato) para reduzir o
efeito da sacarose sobre a microflora bucal. Diz também que essa “goma
(Den-den) foi colocada na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, na época com 40
mil pessoas”. Teria sido feita uma pesquisa científica na Rocinha com o
chiclete Den-den? E o editorial continua: ”Os resultados foram significativos
porque as famílias pobres dali não usavam, sequer, escova de dente. Com a goma,
duas vezes ao dia, a redução da placa, principalmente nas crianças, era de
60%”. Cadê os dados?
Mas
o nível de competência na pesquisa em odontologia no Brasil melhorou muito,
nestas últimas décadas. Apesar do editorial da ABO, tão fora de época, também
encontrei pesquisa séria sobre o assunto 10. Por exemplo, uma revisão
sistemática feita aqui no Brasil, buscando artigos em português, inglês,
alemão, espanhol, sempre excluindo todas as pesquisas sem a devida metodologia,
concluiu que são necessários mais estudos para confirmar o possível efeito de
chicletes sem açúcar na redução de cárie. Sem entrar no mérito da conclusão, que
não é minha área de trabalho, posso afirmar, lendo o artigo, que em termos de
saber conduzir um trabalho de pesquisa na área de odontologia, o avanço no
Brasil foi notório.
O gluconato de clorexidina é um antisséptico químico, com ação
antifúngica e bactericida, capaz de eliminar tanto bactérias gram-positivas
quanto gram-negativas. É usado em enxaguantes orais (Periogard). É geralmente prescrito por um dentista após cirurgias ou para
tratamento de gengivite, por curto período de tempo. Os efeitos colaterais mais
comuns associados aos enxágues orais com gluconato de clorexidina são: 1) escurecimento
dos dentes; 2) aumento na formação do cálculo; e 3) alteração na percepção do
paladar, se usado no longo prazo.
Referências
1. Mäkinen KK, Bennett CA, Hujoel PP, Isokangas PJ, Isotupa KP, Pape HR Jr, Mäkinen PL.
Xylitol Long-Term Study - Belize J Dent Res.(12):1904-13. 1995.
Xylitol chewing gums and caries rates:
a 40-month cohort study.http://www.xlear.co.za/wp-ontent/uploads/2013/01/Belize-Chewing-Gum-Studies.pdf
2.
M Uhari, T Kontiokari, M Koskela, Marjo Niemela Xylitol chewing gum in
prevention of acute otitis media: double blind randomized trial. BMJ (313) 9 November 1996 p. 1180-1183.
3.
Gerald B Winter, Commentary: What about the
ethics? BMJ (313):11831996; p. 1184. http://dx.doi.org/10.1136/bmj.313.7066.
4.
Neder, A.C. e cols. Chiclete anticárie
(Nota prévia). Vila Franca de Xirpa, Portugal. Vida odontológica (8): p 404. 1981.
5.
Garlipp, Olympio F; Dias, Narcisa Marcondes. Controle da placa com goma
de mascar. RGO (Porto Alegre) 34 (2):177-9,
mar.-abr. 1986.
6.
Lacaz Netto, Rogério; Macedo, Nelson Luiz
de; Rossetini, Stela Maria Ouvinhas. Gomas de mascar e placa bacteriana:
efeitos das gomas de mascar Ping-pong, Trident e Den-Den sobre a formação da
placa bacteriana - Estudo piloto. RGO (Porto
Alegre) 34 (2): 107-10, mar.-abr. 1986.
7.
Pinheiro, Carlos Eduardo; Vono, Astrid
Zaramella; Pavarini, Aymar; Bijella, Maria Francisca Thereza Borro; Bastos,
José Roberto de Magalhães; Moraes, Ney;
Silva, Odila Pereira da. Goma de mascar contendo Clorhexidina: avaliação da sua
capacidade antiplaca e anticárie.
RGO (Porto Alegre) 33(1): 67-70,
jan.-mar. 1985.
8.
Jornal do Brasil, 25/7/84 Fabricante do
chiclete Den-den diz que erro é do texto da publicidade.
9.
Editorial. O sorriso do chiclete. Rev. ABO Nac. (2) Fev./Mar.. 1994.
10.
Steffen Mickenautsch; Soraya Coelho Leal; Veerasamy Yengopal; Ana Cristina Bezerra; Vanessa Cruvinel Sugar-free
chewing gum and dental caries – a systematic review. Bauru, Journal of Applied Oral Science. (15): 2,
mar. / abr. 2007.