Thursday, June 30, 2016

Paradigma

Toda discussão sobre História e Filosofia da Ciência perpassa, obrigatoriamente, nos trabalhos de Thomas Samuel Kuhn (1922-1996) que escreveu, entre outros, o livro

Nesse livro Kuhn explica que a prática científica se alterna entre períodos de “ciência normal” baseada em um paradigma e períodos de “revolução científica”, quando ocorre mudança de paradigma. Vamos discutir um pouco o significado desses termos.

Ciência normal significa fazer pesquisa baseada em conquistas científicas consagradas por determinada comunidade de cientistas. Como os cientistas estão comprometidos com a mesma maneira de fazer ciência, compartilham conhecimentos e modos de pensar. Então os pesquisadores aprendem como solucionar problemas em cursos, laboratórios, livros, manuais.

Enigmas e exemplos modelares A busca de solução para problemas, que Kuhn chamou de enigmas (em inglês, puzzles) é feito por meio das técnicas aprendidas nos exemplos modelares. Exemplos modelares (em inglês, exemplars) são as teorias que ditam as maneiras de pesquisar e dão as diretrizes para o trabalho científico.

Paradigma A pesquisa científica é orientada não apenas por teorias, mas por algo mais amplo, o paradigma. O que é paradigma?

Um conjunto de práticas que definem o comportamento dos cientistas durante determinado período de tempo.

Em determinada ciência você tem um paradigma quando sabe:
·  As verdades estabelecidas.
·  O que pode ser observado e examinado.
·  Quais são os tipos de questões que podem ser feitas e      pesquisadas para obter respostas sobre o assunto.
·  Como essas questões devem ser estruturadas.
·  Como os resultados das pesquisas científicas devem ser interpretados.

Kuhn conceituou paradigma em 1970, como

“um conjunto inteiro de crenças, valores, técnicas e tudo o mais que é compartilhado pelos membros de uma dada comunidade”.

Mais adiante Kuhn explicou que

 “paradigmas (são) soluções reais de enigmas que, usadas como modelos ou exemplos, podem ser tratados como se fossem regras explícitas e servir de base para a solução dos demais enigmas da ciência normal”.

A palavra paradigma criou, porém, vida própria. Aliás, Kuhn reconheceu que o conceito de paradigma escapou ao que ele próprio havia, de início, pensado.
Na tradução brasileira, o conceito de paradigma está expresso de maneira inadequada. Diz: “paradigmas são realizações (sic) científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem (sic) problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”.

Mudança de paradigma Não se muda de paradigma facilmente. Mudar de paradigma significa “adquirir” novos valores (um esforço) e apagar valores antigos (um esforço maior).

Mudar de paradigma não é mudar a técnica, mudar de texto, mudar de aparelho, como pensam alguns – mas ter uma “nova visão do mundo”, que possa ser compartilhada por toda uma comunidade de cientistas.


De qualquer forma, o sucesso de um paradigma depende do espaço que cria para que ocorram novas descobertas. Se uma conquista científica consegue dar solução para enigmas que não tinham solução satisfatória e for suficientemente original para atrair um grupo de bons cientistas a ponto de fazê-los abandonar o paradigma que conheciam, então você está diante de uma “revolução”.

Revolução científica ocorre quando há mudança de paradigma. A partir dessa mudança, a ciência evolui normalmente por certo tempo, dentro do novo paradigma. Mas é grande a força de um paradigma.

Na maior parte do tempo, a ciência exibe aderência ao paradigma. Os enigmas propostos para os cientistas resolverem estão circunscritos ao paradigma. Isto explicaria porque as revoluções científicas são raras.

Casos anômalos a ciência entra em crise quando é perdida a confiança na capacidade de o paradigma resolver casos discrepantes – os chamados “casos anômalos”.  Abre-se, então, caminho para uma revolução científica e para a construção de um novo paradigma.

Um exemplo de mudança de paradigma

Quando Christian Barnard substituiu o coração de um homem pelo coração de outro, mostrou ao mundo que uma pessoa pode viver com o coração de outra. Exibiu não apenas um resultado – mas rompeu um paradigma – não é preciso morrer quando o coração morre – e, em seu lugar, surgiu outro: órgãos podem ser transplantados.

Quando emerge um novo paradigma, a estrutura de toda a comunidade de cientistas é afetada. A aceitação de um novo paradigma – pelo menos por algum tempo – não se deve apenas aos recursos lógicos ou às evidências, experimentais ou não. A verdade é que cientistas que aderem a paradigmas diferentes têm visões diferentes do mesmo fenômeno (enquanto um vê o Sol girando em torno da Terra, o outro vê a Terra girando em torno do Sol)

Às vezes, chega ser impossível justificar a preferência de um cientista, ou de um grupo de cientistas, por determinado paradigma. Os que defendem o novo paradigma podem fazer propaganda e buscar novos adeptos pela conversão ou, simplesmente, esperar que os mais renitentes morram. Mas sempre haverá um tempo de acomodação. Por outro lado, há quem reconheça uma mudança de imediato.

Um reconhecimento de mudança de paradigma

O dentista Horace Wells (1815-1848) foi, indubitavelmente, quem primeiro usou anestesia em intervenções cirúrgicas. Na época, não foi reconhecida a importância da proposta. Mas – para demonstrar o efeito anestésico do éter sulfúrico – um aluno de Medicina de Harvard pediu ao professor de Cirurgia para anestesiar um paciente que seria submetido a uma amputação da perna no Hospital Geral de Massachussets. Isto foi feito em 1846. O paciente não demonstrou qualquer sinal de dor durante a operação, mas o professor John Warren Collins (1778-1856) se emocionou até as lágrimas. Reconheceu de imediato a mudança de rumo na história da cirurgia.

Mas quando isto acontece – a mudança de um paradigma – muita coisa também muda: a forma de um cientista ver o mundo; os critérios para selecionar os problemas importantes; as técnicas de pesquisa; a maneira de interpretar fenômenos; os critérios para avaliar teorias.

A atividade científica é crítica. Ser crítico implica admitir a probabilidade de erro. Então, dado que é possível que estejamos errados, é preciso procurar evidências para nossos juízos acerca dos fatos. Mais ainda, é preciso saber que o que é considerando evidência hoje pode não ser evidência amanhã. Afinal de contas, estamos circunscritos dentro de um tempo e de um lugar, para dizer o mínimo.



 Referências

1.    Kuhn, T. S. The Structure of scientific revolutions. 3ª ed. The University Chicago Press, 1996.

2.    Kuhn, T S. The Structure of Scientific Revolutions. 2nd ed., University of Chicago Press, Chicago & London, 1970, p.175.

3.    KATZ, J.  Experimentation with human beings. New York: Russel Sage Foundation. 1973.

4.    VIEIRA, S. e HOSSNE, W. S. Experimentação com seres humanos. São Paulo: Moderna, 1986.
  



2 comments:

Yasmin Noris said...

Olá professora, eu estou procurando seu livro a muito tempo e não consigo achar para comprar, o livro ANORA... teria algum lugar específico para comprar?

Obrigada pelas publicações.

Fico no aguardo

Sonia Vieira said...

Olá, Yasmin, obrigada pelo interesse, mas meu livro Análise de variância (ANOVA) teve sua reimpressão "descontinuada", segundo a Editora Atlas. Ou seja, deixou de ser publicado. A Editora Atlas foi vendida para a GEN, que não mostrou interesse em publicar o livro.