“A economia brasileira está bombando!”, disse um político a uma jornalista. E continuou: “em Brasília, não se encontra um saco de cimento pra comprar”. A avaliação desse político é espúria, a informação é fake. Embora as pessoas tenham se acostumado a converter seu círculo de conhecidos em “todo mundo” e tirar daí suas crenças, saiba que informações colhidas dessa forma são tremendamente tendenciosas.
No entanto – é preciso que fique claro – a maioria
das informações é, mesmo, obtida com base em amostras. Para se
conhecer uma população, os pesquisadores observam uma parte dessa população,
que é a amostra. É, porém, absolutamente essencial que as amostras sejam representativas da população de onde
foram retiradas. Mais ainda, é preciso bom conhecimento de Estatística e muito
senso crítico para generalizar, para o todo, informações obtidas com base em apenas
parte desse todo.
As técnicas estatísticas utilizadas para obter
amostras representativas da população constituem área importante da
Estatística, denominada amostragem.
No entanto, mesmo que a amostra seja tomada dentro da mais estrita técnica, devidamente
assinada por um estatístico, é preciso admitir uma margem de erro para a
informação que será generalizada para toda a população. Afinal, a amostra é
sempre menor do que o universo de onde ela foi retirada. Mas vamos à arte de
perguntar.
Uma amostra tecnicamente adequada e bem
dimensionada deve evitar a tendenciosidade. Pelo menos, evita, a
tendenciosidade “aberta”, aquela que ocorre quando alguém emite opinião com
base no seu círculo de compadres. Mas é preciso atenção para generalizar a
informação apenas para a população de onde a amostra foi retirada. Ainda, muito
cuidado com a maneira de perguntar, que pode tornar a amostra tendenciosa e,
como consequência, invalidar a pesquisa.
Pesquisas feitas com base em questionários
publicados em jornais, em revistas, em programas de televisão são respondidas
apenas pelo público desse jornal, ou dessa revista, ou desse programa de
televisão. Cada público tem características próprias. Pessoas que leem sobre
celebridades da televisão são diferentes das que leem assuntos econômicos.
Então, as respostas desses questionários refletem apenas a opinião de um grupo
específico – não podem ser generalizadas para toda a população.
Quando se entrevistam pessoas na rua, sempre surge
a dúvida: onde buscar a pessoa? Seria melhor numa esquina? Na fila do cinema?
No ponto de ônibus? Alguns entrevistadores acham que podem encontrar "todo
tipo de gente" cruzando as praças centrais de uma cidade, o que não é verdade.
Mas não há dúvida de que, mesmo quando se descrevem as características da
pessoa que deve ser procurada, ainda assim existe uma tendência em favor do
mais convencional, do mais educado, do mais rico, do mais culto. Pense bem: se
você deve entrevistar um adolescente de classe pobre, você procura um office-boy
ou um trombadinha?
Também se introduz tendência na amostra pela
maneira como se define a característica de quem deve ser entrevistado. Existe a
tendência de procurar os "típicos" e excluir quem têm características
menos definidas. Se você deve entrevistar mulheres com mais de 40 anos, possivelmente
irá procurar as mais idosas - porque assim não terá de perguntar: ”Já passou
dos quarenta”?
Ainda, é importante variar a hora em que se faz a pesquisa. Se você fizer uma pesquisa
domiciliar somente durante o dia, não entrevista quem trabalha em horário
diurno. A amostra é tendenciosa por não captar informação desse tipo de pessoa.
Se você fizer a pesquisa à noite, não entrevista quem sai à noite, a serviço ou
a passeio. A amostra é tendenciosa porque não traz informação sobre esse tipo
de gente.
Cabe lembrar aqui a pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA)1
entre maio e junho de 2013, para conhecer a opinião da população em relação à violência contra as mulheres.
Foram entrevistadas 3.810 pessoas, homens e mulheres, em 212 cidades do Brasil.
Os entrevistados foram questionados
com base em afirmações pré-formuladas pelo Instituto, com as quais diziam se
concordavam (total ou parcialmente) ou se discordavam (total ou parcialmente)
ou se não tinham opinião.
Os dados revelaram uma sociedade machista. Segundo 58,5% dos entrevistados, “se a mulher soubesse se comportar melhor, haveria menos estupros”. Mais do que isso: para a maioria dos brasileiros, “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser estupradas”.
Alguns críticos consideraram que as entrevistas haviam sido feitas em hora e local inadequados, isto é, à tarde e nos domicílios e isto teria introduzido tendenciosidade aos resultados. Isto porque teriam sido entrevistados mais idosos e mulheres que estavam cuidando da família, pessoas que seriam mais conservadoras do que a população em geral. A crítica é pertinente? Os dados que apresentaremos mais adiante corroboram a conclusão de que vivemos em uma sociedade machista. Velhos e donas de casa não parecem mais machistas do que, por exemplo, altos mandatários do país.
Também é preciso muito cuidado ao se formular o questionário. Não se deve perguntar demais. As pessoas têm pressa. Mas se dentro de um supermercado você perguntar às pessoas se usam determinada marca de sabão, receberá muitas respostas "sim" porque as pessoas vão pensar que ganharão um brinde, ou um desconto, ou aparecerão na televisão...
As questões devem ser muito bem pensadas. Em um
questionário perguntava-se: “Idade da mãe, se viva” e o respondente escreveu
criteriosamente: 125 anos. Dada à baixa probabilidade de alguém viver até os 125
anos, perguntou-se ao respondente se a senhora em questão tinha, realmente, 125
anos de idade, ao que ele, prontamente, respondeu: sua mãe já havia falecido,
mas se viva estivesse, teria 125 anos.
Ainda, o próprio entrevistador pode tornar as
respostas tendenciosas pela entonação de voz ou, pior ainda, pela forma de
fazer a pergunta. Você provavelmente obterá mais opiniões favoráveis sobre o
uso gratuito de ônibus pelos idosos,
Certas questões são ociosas porque a maioria das pessoas,
quando perguntadas, responde o que se espera delas, ou o que lhes parece mais
adequado, ou mais conveniente. Se você sair por aí perguntando se as pessoas
leem jornal ou usam desodorantes, receberá muitas respostas positivas que não
correspondem, necessariamente, à verdade. As pessoas respondem "sim"
porque acham que é isso que se espera delas.
E o entrevistador pode se ver em apuros porque o
respondente não gostou da pergunta. Perguntar sobre o uso de drogas ilícitas ou
sonegação de impostos pode amedrontar o respondente. Perguntas sobre dinheiro
podem mobilizar a memória seletiva, como acontece no caso dos políticos que esquecem
detalhes sobre o próprio patrimônio, mas lembram de detalhes de seus feitos e oficializam
seus sonhos sobre títulos acadêmicos...
Por outro lado, é preciso dar especial atenção à
interpretação dos resultados das pesquisas. Algumas respostas indicam
exatamente o contrário do que, à primeira vista, parecem mostrar. Se você
perguntar às pessoas se elas acham que pretos e pardos sofrem discriminação
quando procuram emprego, aquelas que não fazem discriminação provavelmente
responderem "sim". Já as pessoas que fazem discriminação muito
possivelmente serão aquelas que responderem "não". Da mesma forma,
quem diz que "as mulheres se igualaram aos homens" revela não ter
sensibilidade para a condição feminina.
Nessa mesma toada, vale lembrar que terminadas as
eleições para a prefeitura de São Paulo em 1985 – e constatado o erro das
prévias eleitorais feitas por determinado instituto de pesquisas para acompanhar
as tendências do eleitorado paulistano – seu diretor veio a público para
declarar que o erro se explicava “pela mutabilidade do voto feminino”! Pois é,
“la donna e mobile”2. Mas
cá entre nós: o erro não poderia ter ocorrido por falta de avaliação dos que se
declararam indecisos, por ocasião da pesquisa? Ou por conta de um fato novo, ocorrido
às vésperas das eleições? Ou por erro de amostragem? Enfim, por causas sólidas
– que não buscassem explicações no machismo.
Interpretações de dados com base no racismo, no
machismo, na homofobia escondem a verdade dos fatos. Art Buchwald3 usou
de ironia ao colocar tais interpretações em cheque. Segundo ele, toda vez que
uma manifestação de rua era dissolvida em Los Angeles, eram atendidos em
hospitais mais negros do que brancos. Será – perguntou provocativamente o
jornalista – que os negros são mais frágeis do que os brancos?
De qualquer modo, pesquisas de opinião sempre suscitam dúvidas e discussões, o que é
certo. Toda informação obtida por meio de amostras precisa ser analisada com
cuidado. Lembre-se de que concluímos para toda a população tendo examinado
apenas parte dessa população. As perguntas são uma "amostra" das
perguntas possíveis. As respostas são, muitas vezes, uma "amostra"
das respostas possíveis.
No entanto, a pesquisa que põe a questão “Em sua opinião, qual
é o problema que mais urgentemente precisa ser resolvido em nosso país?” pode
revelar áreas de preocupação que, eventualmente, seriam apenas vagamente
percebidas pelos governantes. Um governo democrático leva em conta pesquisas de
opinião – não a gritaria dos grupos que o cercam. Elas são
importantes e deveriam ser levadas em conta para a tomada de decisão na
administração pública.
E é preciso lembrar as prévias eleitorais – que são pesquisas de opinião. Os institutos de
pesquisa ouvem parte da população de eleitores (a amostra), mas essa parte tem
características similares às características da população de eleitores (em
termos de gênero, idade, escolaridade, nível de renda). É claro que se deve
acreditar em prévias eleitorais – desde que feitas por institutos de pesquisa
credenciados, que publicam a metodologia utilizada, declaram as margens de erro
com o necessário nível de confiança e – não menos importante – a data para o
qual o resultado provavelmente é válido. Mas sempre acontece de alguém tirar da
manga do colete e, portanto, sem provas, a ideia de que tais pesquisas são
fraudulentas ou, até mesmo, de houve fraude nas eleições! Isto sim é fake news!
E foi por esse caminho que se chegou à invasão do Capitólio4...
1. Para 58,5%,
comportamento feminino influencia estupros, diz pesquisa. Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA). 2013. G1 (RJ). Disponível em https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?
Acesso em 14 se setembro de 2021.
2. "La donna è mobile" (A mulher é volúvel) é uma ária do terceiro
ato da ópera Rigoletto criada por Giuseppe Verdi.
3.
Arthur Buchwald foi um humorista norte-americano que ficou célebre pela sua coluna no The Washington
Post. Esta
coluna era focada na sátira política, pois era assim que ele expressava suas opiniões.
4.
Invasão do
Capitólio entra para a história dos EUA como afronta à democracia. Disponível
em https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/invasao-do-capitolio-entra-para-a-historia-dos-eua-como-afronta-a-democracia/.
Acesso em 23 de setembro de 2021.
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