Toda
discussão sobre História e Filosofia da Ciência perpassa, obrigatoriamente, nos
trabalhos de Thomas Samuel Kuhn (1922-1996) que escreveu, entre outros, o livro
Nesse
livro Kuhn explica que a prática científica se alterna entre períodos de “ciência normal” baseada em um paradigma e períodos de “revolução científica”, quando ocorre mudança de paradigma. Vamos discutir um
pouco o significado desses termos.
Ciência normal significa
fazer pesquisa baseada em conquistas científicas consagradas por determinada
comunidade de cientistas. Como os cientistas estão comprometidos com a mesma
maneira de fazer ciência, compartilham conhecimentos e modos de pensar. Então os
pesquisadores aprendem como solucionar problemas em cursos, laboratórios, livros,
manuais.
Enigmas
e exemplos modelares A
busca de solução para problemas, que Kuhn chamou de enigmas (em inglês, puzzles)
é feito por meio das técnicas aprendidas nos exemplos modelares. Exemplos modelares (em inglês, exemplars) são as teorias que ditam as maneiras
de pesquisar e dão as diretrizes para o trabalho científico.
Paradigma
A
pesquisa científica é orientada não apenas por teorias, mas por algo mais
amplo, o paradigma. O que é
paradigma?
Um
conjunto de práticas que definem o comportamento dos cientistas durante
determinado período de tempo.
Em
determinada ciência você tem um paradigma quando sabe:
· As
verdades estabelecidas.
· O
que pode ser observado e examinado.
· Quais
são os tipos de questões que podem ser feitas e pesquisadas para obter respostas sobre o
assunto.
· Como
essas questões devem ser estruturadas.
· Como
os resultados das pesquisas científicas devem ser interpretados.
Kuhn conceituou paradigma em 1970, como
“um conjunto inteiro de
crenças, valores, técnicas e tudo o mais que é compartilhado pelos membros de
uma dada comunidade”.
Mais adiante Kuhn explicou que
“paradigmas (são) soluções reais de enigmas
que, usadas como modelos ou exemplos, podem ser tratados como se fossem regras
explícitas e servir de base para a solução dos demais enigmas da ciência
normal”.
A palavra paradigma criou, porém, vida
própria. Aliás, Kuhn reconheceu que o conceito de paradigma escapou ao que ele
próprio havia, de início, pensado.
Na tradução brasileira, o conceito de
paradigma está expresso de maneira inadequada. Diz: “paradigmas são realizações
(sic) científicas universalmente
reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem (sic) problemas e soluções modelares para uma comunidade de
praticantes de uma ciência”.
Mudança de paradigma Não se muda de paradigma facilmente.
Mudar de paradigma significa “adquirir” novos valores (um esforço) e apagar
valores antigos (um esforço maior).
Mudar
de paradigma não é mudar a técnica, mudar de texto, mudar de aparelho, como
pensam alguns – mas ter uma “nova visão do mundo”, que possa ser compartilhada
por toda uma comunidade de cientistas.
De
qualquer forma, o sucesso de um paradigma depende do espaço que cria para que ocorram
novas descobertas. Se uma conquista científica consegue dar solução para
enigmas que não tinham solução satisfatória e for suficientemente original para
atrair um grupo de bons cientistas a ponto de fazê-los abandonar o paradigma
que conheciam, então você está diante de uma “revolução”.
Revolução científica ocorre
quando há mudança de paradigma. A partir dessa mudança, a ciência evolui
normalmente por certo tempo, dentro do novo paradigma. Mas é grande a força de
um paradigma.
Na
maior parte do tempo, a ciência exibe aderência ao paradigma. Os enigmas
propostos para os cientistas resolverem estão circunscritos ao paradigma. Isto
explicaria porque as revoluções científicas são raras.
Casos
anômalos a ciência entra em crise quando é perdida a
confiança na capacidade de o paradigma resolver casos discrepantes – os chamados
“casos anômalos”. Abre-se, então,
caminho para uma revolução científica e para a construção de um novo paradigma.
Um
exemplo de mudança de paradigma
Quando Christian Barnard substituiu o
coração de um homem pelo coração de outro, mostrou ao mundo que uma pessoa pode
viver com o coração de outra. Exibiu não apenas um resultado – mas rompeu um
paradigma – não é preciso morrer quando o coração morre – e, em seu lugar,
surgiu outro: órgãos podem ser transplantados.
Quando
emerge um novo paradigma, a estrutura de toda a comunidade de cientistas é
afetada. A aceitação de um novo paradigma – pelo menos por algum tempo – não se
deve apenas aos recursos lógicos ou às evidências, experimentais ou não. A
verdade é que cientistas que aderem a paradigmas diferentes têm visões
diferentes do mesmo fenômeno (enquanto um vê o Sol girando em torno da Terra, o
outro vê a Terra girando em torno do Sol)
Às
vezes, chega ser impossível justificar a preferência de um cientista, ou de um
grupo de cientistas, por determinado paradigma. Os que defendem o novo
paradigma podem fazer propaganda e buscar novos adeptos pela conversão ou,
simplesmente, esperar que os mais renitentes morram. Mas sempre haverá um tempo
de acomodação. Por outro lado, há quem reconheça uma mudança de imediato.
Um
reconhecimento de mudança de paradigma
O dentista Horace Wells (1815-1848) foi,
indubitavelmente, quem primeiro usou anestesia em intervenções cirúrgicas. Na
época, não foi reconhecida a importância da proposta. Mas – para demonstrar o
efeito anestésico do éter sulfúrico – um aluno de Medicina de Harvard pediu ao
professor de Cirurgia para anestesiar um paciente que seria submetido a uma
amputação da perna no Hospital Geral de Massachussets. Isto foi feito em 1846.
O paciente não demonstrou qualquer sinal de dor durante a operação, mas o
professor John Warren Collins (1778-1856) se emocionou até as lágrimas.
Reconheceu de imediato a mudança de rumo na história da cirurgia.
Mas quando isto acontece – a mudança de um
paradigma – muita coisa também muda: a forma de um cientista ver o mundo; os
critérios para selecionar os problemas importantes; as técnicas de pesquisa; a
maneira de interpretar fenômenos; os critérios para avaliar teorias.
A atividade científica é
crítica. Ser crítico implica admitir a probabilidade de erro.
Então, dado que é possível que estejamos errados, é preciso procurar evidências
para nossos juízos acerca dos fatos. Mais ainda, é preciso saber que o que é
considerando evidência hoje pode não ser evidência amanhã. Afinal de contas,
estamos circunscritos dentro de um tempo e de um lugar, para dizer o mínimo.
Referências
1. Kuhn, T. S. The
Structure of scientific revolutions. 3ª ed. The University Chicago Press,
1996.
2. Kuhn, T S. The
Structure of Scientific Revolutions. 2nd ed., University of Chicago Press,
Chicago & London, 1970, p.175.
3. KATZ, J. Experimentation with human beings. New
York: Russel Sage Foundation. 1973.
4. VIEIRA, S. e HOSSNE,
W. S. Experimentação com seres humanos.
São Paulo: Moderna, 1986.