Saturday, March 08, 2025

Alfa de Cronbach: Medindo a Consistência Interna

 

Um instrumento de medida é considerado confiável quando produz resultados consistentes em medições repetidas. Confiabilidade é, portanto, o grau em que uma técnica de medição pode fornecer resultados estáveis e reproduzíveis ao longo do tempo.

A confiabilidade de um instrumento de medida pode ser analisada sob diferentes aspectos e, para cada um deles, existem estatísticas especificas para sua estimativa. Entre os principais aspectos avaliados estão:

Confiabilidade entre examinadores, que é o grau de concordância entre diferentes examinadores ao avaliarem o mesmo fenômeno, usando o mesmo instrumento de medida.

Confiabilidade do teste-reteste, que é a consistência das medições feitas com o mesmo instrumento de medida, em ocasiões diferentes.

Confiabilidade de formas paralelas, que é a consistência dos resultados obtidos a partir de dois instrumentos diferentes, mas construídos da mesma maneira.

Todas estas características dos sistemas de medição são abordadas na estatística aplicada à qualidade. Os termos usados em engenharia são diferentes, mas os conceitos são, basicamente, os mesmos. Nas ciências sociais, em que são amplamente empregados testes questionários, também se define:

Consistência interna de um questionário é o grau em que seus itens medem o mesmo conceito ou construto. A consistência interna é, portanto, uma das quatro classes de estimativas de confiabilidade, sendo específica para questionários. Por exemplo, se dez questões foram projetadas para medir o mesmo construto, o respondente deveria ter coerência nas respostas.

Para bem entender o que significa “medir um conceito ou construto”, imagine que pesquisadores querem medir a autoestima de idosos confinados em um asilo. Como autoestima é um conceito (não se mede com uma régua), os pesquisadores precisam desenvolver perguntas que meçam autoestima como, por exemplo:

    ✅   O senhor/a se sente satisfeito/a com a sua vida hoje?

    ✅    O senhor/a sente que tem valor, mesmo não podendo fazer o que fazia antes? 

    ✅  O senhor/a é respeitado/a pelas pessoas ao seu redor? 

    ✅   O senhor/a acha que sua vida é importante para alguém?

 O questionário é, portanto, uma série de perguntas, muitas vezes referidas como ítens, que mede o mesmo construto (no exemplo, autoestima), ou mede alguns construtos Assim, além de autoestima, o questionário  poderia buscar sonhos). Depois, é preciso associar, a cada pergunta, uma opção de resposta. As opções de resposta para cada item podem ser dicotômicas:


  🔲 Sim

              🔲 Não

           Ou como itens de Likert:

               🔲 Concordo plenamente 

🔲 Concordo 

🔲 Indeciso

🔲 Discordo

🔲 Discordo completamente


Depois de pronto, o questionário deve ser aplicado a um grupo de pessoas selecionadas conforme um critério específico, dos próprios pesquisadores. No caso do exemplo que apresentamos, de medir a autoestima de idosos residentes em um asilo, os pesquisadores poderiam selecionar  só de pessoas com 65 anos ou mais que escrevessem e lessem bem.

O coeficiente Alfa de Cronbach

Para medir a consistência interna de um teste ou escala, Lee J. Cronbach desenvolveu, em 1951, o coeficiente alfa, que se tornou a estatística mais utilizada para essa finalidade. Esse coeficiente é fácil de calcular e tem a vantagem de poder ser obtido mesmo quando o questionário é aplicado apenas uma vez. No entanto, sua interpretação pode ser inadequada se não for corretamente compreendida.

Para calcular o coeficiente alfa, todas as respostas devem ser transformadas em escores. Seja xi o escore do i-ésimo item para o j-ésimo respondente, com i=1, 2, ..., kiO coeficiente alfa é dado pela fórmula:

                                                


é o número de itens, n é o número de respondentes.

s2i   é a variância dos escores das pessoas a i-ésimo item (i = 1, ..., k),

s2soma é a variância dos totais Tj (j = 1, 2,...,n).de escores de cada respondente.

        As variâncias são calculadas pela fórmula:



Exemplo

A Tabela 1 apresenta um exemplo fictício dos resultados de um questionário com k=5 perguntas, com respostas dicotômicas (“Sim” ou “Não”). Para realizar o cálculo do coeficiente alfa, as respostas foram codificadas numericamente:

·  “Sim” = 1

·  “Não” = 0

O questionário foi respondido por n=10 pessoas.

Tabela 1

Resultados da aplicação de um questionário com cinco itens

(perguntas) a dez respondentes


    Com esses dados, foi possível calcular a variância das respostas dos respondentes em  cada item (no rodapé da tabela)e também a variância dos escores em todos os itens (na última coluna da tabela). O total dessa coluna dá a variância da soma. 

Tabela 2

Variâncias de cada respondente (rodapé) e de cada escore (coluna)


Número de itens = 5


Soma das variâncias dos itens                            

Variância dos totais dos escores de cada respondente

                                          s2soma=1,4333


Agora, é possível  obter o valor de alfa para os dados da Tabela 1:


                                              

    O coeficiente alfa é uma medida essencial para avaliar a consistência interna de questionários e escalas, garantindo que os itens realmente medem o mesmo construto. No entanto, valores muito altos podem indicar redundância entre os itens, exigindo uma análise cuidadosa da qualidade do instrumento de medida.


    A interpretação do coeficiente alfa de Cronbach é aparentemente intuitiva porque, na maior parte das vezes, os valores variam entre zero e 1. Entende-se então que a consistência interna de um questionário é tanto maior quanto mais perto de 1 estiver o valor da estatística. Há muita discussão sobre os valores aceitáveis de alfa: em geral, variam entre 0,70 a 0,95.

 

    A maneira prática de julgar o valor de alfa é comparar o valor calculado com o valor preconizado por diferentes autores em tabelas apresentadas na literatura.   A regra é imprecisa, mas serve como primeira aproximação, desde que se tenha a precaução de levar em conta as limitações dessa estatística. 


   É importante saber, ao julgar o valor calculado de alfa, que:

 

  O número de questões afeta o valor de alfa. Questionários muito longos aumentam o valor de alfa, sem que isso signifique aumento de consistência interna; um valor baixo de alfa pode significar apenas número pequeno de questões.

 

 A redundância, isto é, questões verbalizadas de forma diferente, mas praticamente iguais aumentam o valor de alfa.

 

 Correlações entre os itens do questionário aumentam o valor de alfa S e vários itens do questionário exibem correlações entre si, o valor de alfa aumenta. Como essas correlações são maiores quando os itens do questionário medem o mesmo construto, o pesquisador conclui que o questionário tem consistência interna, ou seja, o valor alto do coeficiente alfa de Cronbach estaria indicando o grau de em que os itens medem o mesmo construto. Mas é preciso cuidado: pode haver uma terceira variável afetando as respostas de dois itens. Uma boa discussão ajuda muito.

 

Para o exemplo dado, o valor do coeficiente alfa de Cronbach é a = 0,368. Se os dados fossem reais (e não criados apenas para mostrar como se fazem os cálculos), o valor de alfa poderia ser explicado pelo número pequeno de perguntas e de respondentes, mas também poderia indicar que os itens (perguntas) do questionário não estavam medindo o mesmo construto ou mesma dimensão (unidimensional). 

 

O coeficiente alfa de Cronbach pode ser calculado a partir de softwares estatísticos como SPSS (Statistical Software for Social Sciences) ou SAS (Statistical Analysis System). Os softwares fornecem análise descritiva inicial completa das respostas obtidas do questionário, bem como listagem completa da análise da confiabilidade.  


Referências

 

1. Wei Tang1 , Ying Cui2 , Oksana Babenko. Internal Consistency: Do We Really

 Know What It Is and How to Assess It? Journal of Psychology and

 Behavioral. Science June 2014,V ol. 2, No. 2, pp. 205-220.

2.  Web Center for Research Methods. Types of Reliability.  www.socialresearchmethods.net › ... › Reliability

3.  Cronbach L J. Coefficient Alpha and the internal structure of tests. Psychometrika 16:297-334, 1951.

4.  Maroco, J e Garcia-Marques, T Qual a fiabilidade do alfa de Cronbach? Questões antigas e soluções modernas?

 http://repositorio.ispa.pt/bitstream/10400.12/133/1/LP%204(1)%20-%2065-90.pdf  Acesso 5 de junho de 2012.

5.  Gliem, Joseph A. Gliem, Rosemary R Cronbach’s Calculating, Interpreting, and Reporting Cronbach's Alpha ... Midwest Research to Practice Conference in Adult, Continuing, and Community Education 2003 www.ssnpstudents.com/wp/wp.../Gliem-Gliem.pdf

6. Tavakol, Mohsen et al. Editorial. Making sense of Cronbach's Alpha. InternationalInternational Journal of Medical Education. 2011; 2:53-55. 2011.www.ncbi.nlm.nih.gov › ... › PubMed Central (PMC)

7.  Ver critérios de inclusão e exclusão em:

 htpp://conselho.saude.gov.br.br/resolucoes/2012/Reso466. A

8.  Reliability and Item Analysis http://www.statsoft.com/textbook/reliability-and-item-analysis/

9.  Podem ser obtidos valores negativos para alfa.

10. SPSS FAQ: What does Cronbach's alpha mean http://www.ats.ucla.edu/stat/spss/faq/alpha.html. Acesso 7 de junho de 2012.

11.Tavakol, M e Dennick, R. Making sense of Cronbach’s alpha. International Journal of Medical Education2011; 2:53-55 Editorial. http://www.ijme.net/archive/2/cronbachs-alpha.pdf

12.  Cálculos podem ser feitos usando Excel. Veja: www.brunopedroso.com.br/cronbach.html. Disponível em 20 de fevereiro de 2012.

 

 









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