Saturday, December 03, 2022

13 of the most stupid questions teachers have heard in the classroom.

                      


                           Encontrei na internet este artigo1, que traz junto o comentário:

There's no such thing as a stupid question... we're not so sure.

   A única referência é John Harrington. E o artigo traz umas “preciosidades”:  “Sabemos a velocidade da luz. Qual é a velocidade do escuro? ” Pois é, caro professor, como se responde a uma questão dessas? E esta outra: “o mundo é redondo como uma bola ou redondo como um prato? ” Esta questão – cá entre nós –, até poderia parecer pertinente para alguns, uma vez que já se levantou por aqui a teoria do terraplanismo. Mas minha experiência, como professora de pós-graduação, foi a de aprender muitas coisas com os alunos – e não só sobre a disciplina que eu ministrava. Aliás, os professores em geral admitem que aprendem com seus alunos e até consigo mesmos, quando administram aulas, pois se veem obrigados a estudar mais e a pensar melhor.

Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina2.

Só que algumas vezes já me deixaram sem resposta. Por exemplo, depois de me aposentar na Unicamp, dei aulas em um curso noturno, às sextas feiras e aos sábados, para alunos de pós-graduação com diferentes formações, perfis variados,  que trabalhavam para viver. Minha disciplina tinha o nome pomposo de Metodologia Científica, mas se propunha a ensinar algumas regras práticas para escrever uma tese. Usei, como texto, um livro elementar, que considerei adequado para o propósito do curso (3). Eu tentava dar alguma ideia de ciência, mas como? Pois um aluno com formação em Filosofia me perguntou porque eu não adotava como texto o livro de René Descartes (4)O Discurso sobre o Método”, um tratado filosófico e matemático publicado na França em 1637. Sem qualquer intenção de desmerecer a importância da obra do filósofo francês (Cogito, ergo sum), ainda dou tratos à bola: o que eu deveria responder a esse aluno?

Em outra ocasião e em outro curso, expliquei que, para levantar dados pessoalmente por meio de um questionário (5), não se deve intervir na resposta do participante da pesquisa, mas apenas anotar suas respostas, sem qualquer tipo de comentário. Se for o caso, o pesquisador pode colocar sua posição profissional para o respondente, mas só depois de gravar (ou anotar) todas as respostas. Claro que perguntar aos alunos que ingressam na faculdade porque escolheram determinado curso não trará respostas inusitadas. Mas elas fatalmente aparecerão se você fizer levantamentos no Brasil profundo. Então perguntei a alunos de Odontologia: “Que você diria, se ao perguntar a uma pessoa se escova os dentes diariamente, receber, como resposta: Não preciso, masco fumo”?  Fui espinafrada por um aluno grã-fino. Pois é, talvez ele não tenha entendido a minha argumentação, de que a resposta  do respondente tem de ser anotada, não importa quão absurda ela seja (ou talvez esse aluno tenha acordado exatamente quando eu dizia"não escovo os dentes, masco fumo). Mesmo assim, ele me fez perder o rebolado.

Aliás, explicar como se faz um questionário é sempre um problema. As pessoas acham que sabem tudo sobre o assunto. E foi discorrendo sobre as idas e vindas necessárias para construir um questionário que fui surpreendida pela pergunta – até certo ponto atrevida, embora equivocada – de um pós-graduando: Por que estamos discutindo “isso”? Em Medicina, todos os questionários já estão prontos! O que eu deveria responder? Se já está tudo pronto, de que interessa uma dissertação de mestrado, mesmo sendo a sua?

Foi também discorrendo sobre a dificuldade de levantar dados (sobre opiniões, ideias, sonhos, sentimentos dos entrevistados) que apontei duas formas de organizar as opções de resposta: a pesquisa quantitativa, que fornece ao respondente respostas prontas, com quadradinhos para ticar e a pesquisa qualitativa, que dá ao entrevistado a possibilidade de responder com suas próprias palavras. Para deixar claro, fiz um levantamento de dados com os próprios alunos. Perguntei por escrito: “se você for ao dentista e ele lhe disser que precisa extrair um dente, qual seria seu primeiro sentimento? ” E os alunos responderam tristeza, desânimo, medo, mal-estar, descrença no profissional etc.  Mas um deles foi taxativo: “ninguém arranca nenhum dente meu”. Minha ideia era buscar diferentes respostas diante de uma situação de perda pessoal – e achei. Mas o que comentar sobre a resposta desse aluno?

...se alguém me desafia e bota a mãe no meio, dou pernada a três por quatro e nem me despenteio (6).

A análise de dados também é difícil de discutir. Em uma pós-graduação de Medicina apresentei, como forma de pesquisa observacional, o British Doctors Study, um marco nesse campo, pois é visto como a primeira prova estatística forte da correlação entre o hábito de fumar e muitas doenças graves, inclusive o câncer de pulmão (7). Para fazer esse estudo (8), que data dos anos de 1950, dois pesquisadores ingleses enviaram questionários para todos os médicos do Reino Unido, com perguntas que visavam levantar os hábitos de fumar dos médicos, além de dados pessoais (sexo, idade, etc.). Foram enviados cerca de sessenta mil questionários e analisadas cerca de quarenta mil respostas. Os autores seguiram a sobrevivência dos médicos por meio de um registro geral. Apresentei para os alunos apenas os dados sobre câncer de pulmão – que são os mais conhecidos – porque não queria me estender demais sobre os testes estatísticos utilizados. Pois um aluno me perguntou se eu não percebia que os dados não tinham validade porque, segundo ele – em um estudo desse tipo – era preciso apresentar todas as causas de morte. Como responder com estatisquês a quem não sabe estatística?

E só mais um caso: em um seminário na USP, apresentei os principais delineamentos experimentais dos ensaios clínicos que comparam apenas dois grupos, que chamei de controle e tratado. Não havia tempo para mais. Reconheço que os slides eram um pouco infantis, considerando o alto nível intelectual dos doutores. Mas ao invés de diagnosticar essa falha, um médico me perguntou porque eu chamava um grupo de “tratado” quando se tratava de um trabalho experimental. Realmente, o NIH (National Institute of Health) propôs usar, nesses casos, o termo interventional group, mas não aboliu o termo treated group, muito em uso. Só consegui dizer que Estatística não é um ramo caudatário da Medicina (como também não e das ciências biológicas, das engenharias, das ciências agrárias, das ciências sociais). Estatística é uma ciência que anda com suas próprias pernas - tem teorias, técnicas,  paradigmas. E a terminologia de Estatística é usada em várias ciências; pode, portanto, ser genérica. Não convenci. Só recebi um mavioso “tudo bobagem”, comentário que não comprei.

 

Citações

 

1.        13 of the most stupid questions teachers have heard in the classroom.

https://www.joe.ie › life-style › 13-...

2.       Cora Coralina  Vintém de cobre: Meias confissões de Aninha. São Paulo: Global Editora, 1997. Trecho do poema Exaltação de Aninha (O Professor).

3.       Vieira, Sonia.  Como escrever uma tese. Atlas, 6ª ed. 2009.

4.       Descartes, René. O Discurso do Método. Martins Fontes, 2009.

5.       Vieira, Sonia.  Como elaborar um questionário. Atlas, 2009.

6.       Chico Buarque. Partido Alto.

7.       Di Cicco, M.E., Ragazzo, V.,Jacinto, T. . Mortality in relation to smoking: the British Doctors Study. Breathe (Sheff). 2016 Sep; 12(3): 275–276. doi: 10.1183/20734735.013416

8.      Doll R, Hill AB. Smoking and carcinoma of the lung; preliminary reportBr Med J 1950; 2: 739–748. [PMC free article] [PubMed[Google Scholar]



Sunday, September 18, 2022

Pesquisas eleitorais: acredite

 

 Professora de Bioestatística há longos anos, fui confrontada, algumas vezes, com a pergunta: “Você acredita nas pesquisas eleitorais? ”. Ao dizer que acredito – feitas as ressalvas que logo explico – invariavelmente escuto o comentário: “ Eu não acredito, porque nunca fui entrevistado”.


Vamos então trazer aqui outra questão. Qual é a probabilidade de você ganhar na Mega-Sena, escolhendo na cartela apenas seis números, de 1 a 60? Você sabe que receberá o prêmio máximo se os seis números escolhidos por você forem sorteados. Para uma aposta de 6 números, existem 50.063.860 combinações possíveis. Assim, a chance de vencer na Mega-Sena com uma única aposta é de 1 em 50.063.860, ou seja, a probabilidade de você ganhar com uma única aposta é aproximadamente 0,000002%. (1)


Mas vamos voltar ao nosso problema. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (2), o número de eleitoras e eleitores aptos a votar na próxima eleição é 156.454.011. Então, se um instituto de pesquisa quisesse fazer uma amostragem aleatória simples do universo de pessoas aptas a votar no Brasil, deveria colocar todos os nomes dessas pessoas em um globo giratório e sortear uma amostra. Qual seria a chance de você ser sorteado? 1 em 156.454.011, ou seja, a probabilidade de você ser sorteado é 0,000000639%. Claro, usar um globo giratório de sorteio é inexequível, mas, em tese, isso poderia ser feito em um supercomputador. De qualquer modo, a chance de você ser sorteado para a entrevista seria menor do que a de ganhar na Mega-Sena.

 

Mas há outro obstáculo – além da necessidade de um supercomputador – para quem quiser fazer uma amostragem aleatória simples das eleitoras e eleitores aptos a votar na próxima eleição. Digamos que o instituto queira coletar uma amostra de 2.500 pessoas. As pessoas sorteadas podem estar distribuídas por todo o Brasil. Também podem ser sorteadas eleitoras e eleitores fora do Brasil. Como localizar todas essas pessoas, obter respostas, analisar e apresentar os resultados em uma semana? Os contratempos serão muitos, mas ainda há outro: podem ser sorteados muito mais homens do que mulheres (ou o contrário) muito mais velhos do que jovens (ou o contrário). Enfim, a amostra obtida pode não ser representativa do universo. Isso poderia ser resolvido usando uma amostra aleatória estratificada, mas o trabalho ficaria ainda mais difícil.

 

Os institutos que fazem pesquisas eleitorais adotam, então, outras formas de amostragem, mais fáceis de fazer e mais baratas, mas nem por isso menos eficazes. Vamos nos ater à metodologia do Datafolha, que mais tem apresentado pesquisas. Esse instituto toma uma amostra aleatória proporcional ao tamanho das cidades, de um total de 4.800 cidades brasileiras que constam do banco de dados do instituto. Depois sorteia os pontos onde ficarão os entrevistadores, em cada cidade amostrada. São 70.000 pontos demarcados pelo instituto nessas cidades, antes do início das pesquisas e guardados em um banco de dados. Os entrevistadores então se posicionam nos pontos sorteados de cada cidade – os chamados pontos de fluxo – que não são, necessariamente, pontos de grande circulação de pessoas – e procuram entrevistar as pessoas que por ali transitam.


A amostragem, agora, é por cotas. Devem ser entrevistadas 53% de mulheres (das pessoas aptas a votar, aproximadamente 53% são mulheres) e obedecer às quotas por faixas de idade dos aptos a votar: 14% com idade entre 16 e 24 anos, 20% de 25 a 34 anos, 21% de 35 a 44 anos, 24% de 45 a 59 anos, e 21% com 60 anos ou mais. Cada entrevistador tem sua cota para preencher: por exemplo, 10 homens entre 26 e 24 anos, 5 mulheres com mais de 60 anos etc.. Somadas as cotas de cada entrevistador, é obtida a distribuição de aptos a votar. Se você for entrevistado, será perguntado sobre sexo e idade (para o entrevistador saber se você corresponde à cota que deve preencher), sobre renda, escolaridade, religião. É o entrevistador que convida você a ser entrevistado ( se ele presumir que você pertence a uma das cotas que ele deve preencher).

 

Em uma amostragem aleatória simples, a probabilidade de você ser escolhido para ser entrevistado é pequena. Mas com a metodologia adotada pelos institutos de pesquisa, suas chances de ser amostrado podem se reduzir a zero. Por exemplo, se você mora no exterior, não tem chance de ser entrevistado. Se você mora em condomínio fechado e só circula de carro fora do condomínio, também não será entrevistado (os pesquisadores do IBGE, que é um órgão governamental, têm muita dificuldade de entrar em condomínios fechados de luxo). Se você circula nas ruas e passa pelos pontos onde estão os entrevistadores, mas não fala com desconhecidos, também não será entrevistado (será um não respondente). Se você mora na zona rural e dificilmente vai à cidade, tem baixíssima chance de ser entrevistado. E também não são entrevistadas pessoas que não saem de casa porque são/estão doentes, cuidam de pessoas da família ou outros motivos. Mas se você for entrevistado, suas respostas serão anotadas em um tablet.


Importante - para ter uma visão crítica das pesquisas eleitorais - é saber que a população alvo, constituída por todas as eleitoras e todos os eleitores aptos a votar na próxima eleição não é atingida. A chamada população configurada, ou seja, a população que pode ser amostrada, é constituída por pessoas que caminham pelas ruas e passam por qualquer um dos pontos de fluxo sorteado pelo instituto de pesquisa em qualquer uma das cidades sorteadas, do conjunto de pontos e cidades brasileiras previamente escolhidas pelo instituto. É razoável imaginar que as cidades que constam do banco de dados do instituto sejam de melhor acesso dentre as cidades brasileiras e os pontos de fluxo tenham sido demarcados em lugares relativamente seguros. Isso está certo? perguntam alguns. É o que se pode fazer. Claro que as pesquisas eleitorais mostram tendências, mas não podem ser esmiuçadas à exaustão. São amostras da população configurada em um certo momento e – mesmo para essa população – já há muitos erros possíveis de amostragem. 

Outra fonte de erro é a dos não-respondentes. Considera-se, em geral, que se o percentual de não-respondentes atingir cerca de 30% das pessoas abordadas em entrevista de rua, a pesquisa não é confiável. Em uma eleição polarizada como a de 2022 no Brasil, é de se esperar  dado que uma das partes envolvida no pleito desdenha pesquisas (ou melhor, afronta a ciência) , é razoável esperar que seus correligionários também "não percam tempo" respondendo questões. Isso cria um viés em favor dos outros candidatos. 

E eu me lembro que – há muito tempo atrás – um diretor de pesquisa disse, em entrevista, que os erros se deviam à "volatibilidade" do voto feminino. La donna e mobile? Pois é, mas já vi mulheres extremamente aguerridas, defendendo os interesses de seus maridos nos resultados das eleições. E tenho, ainda, um outro palpite, de uma outra variável que talvez tenha efeito sobre o resultado das eleições: as condições meteorológicas. Se chover, mais ricos votarão - porque não irão para suas casas de praia ou suas estâncias no interior e menos pobres votarão, porque será difícil transitar. Se tivermos um tempo de sol na maior parte do Brasil, acontecerá o contrário   

À medida que as eleições se aproximam, há mais chance de as prévias acertarem os resultados, porque os indecisos estarão em menor número. Mas em eleição muito polarizada, também existe a chance de mais pessoas não declararem o voto por se sentirem inseguras devido os conflitos, as desavenças, as disputas, as ameaças.

 

Acredite nas pesquisas eleitorais, mas elas são um retrato do momento.  Um fato novo pode modificar os resultados previstos. Há uma margem de erro, que diminui com o aumento da amostra. Ainda, comentaristas de pesquisas torturam os dados em excesso, tentando tirar deles mais do que a verdade que eles contem. Então, você deve filtrar a opinião dos comentaristas, usando seu arsenal de valores, convicções, ideologia. Eu acredito que as prévias eleitorais (claro, elas também dependem da confiabilidade do instituto de pesquisa que as apresenta), mas análises de aderência, feitas a posteriori mostram que são bastante verossímeis.

 

As pesquisas eleitorais são feitas por diversos institutos: Datafolha, Ipec (Ibope), Ipesp, FSB, Quaest e outros (3).

 

 

Referências


(1)"Chances de ganhar na Mega-Sena" em:

https://brasilescola.uol.com.br/matematica/chances-ganhar-na-mega-sena.htm

(2) Brasil tem mais de 156 milhões de eleitoras e eleitores aptos a votar em 2022. 

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Julho/brasil-tem-mais-de-156-milhoes-de-eleitoras-e-eleitores-aptos-a-votar-em-2022-601043.

(3) Quais são os principais institutos de pesquisa eleitoral do Brasil. https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/quais-sao-os-principais-institutos-de-pesquisa-eleitoral-do-brasil/

 


Monday, August 08, 2022

QUESTIONÁRIO com questões abertas (ou pesquisa espontânea)

 


          Nos questionários com questões abertas - as chamadas pesquisas espontâneas nas prévias eleitorais - você não sugere qualquer tipo de resposta. A pessoa usa suas próprias palavras para responder às suas questões. Podem surgir assim ideias que você próprio não teve, quando elaborou o questionário. Nas pré-campanhas para eleições, pesquisas espontâneas são muito utilizadas porque elas mostram, principalmente, a lembrança que o eleitor tem de um político e mede, assim, o potencial de votos que esse político teria para concorrer a um cargo.

 

Se você quiser fazer questões abertas na pesquisa que está planejando, pense como você próprio responderia cada uma das questões. Perceba se as respostas podem ser longas. Se for este o caso, é importante delimitar o espaço para a escrita, no caso dos questionários de auto aplicação, ou o tempo de exposição, no caso de entrevistas.

                     

                                     Exemplo de resposta curta

 

Questão: Para que time de futebol você torce?

              _________________________________________

 

Exemplo de resposta que pode ser longa

 

Questão: Por que o senhor decidiu comprar este carro?

 

 ________________________________________________

 

A vantagem óbvia da questão aberta é conseguir respostas que em geral refletem, de fato, a opinião do respondente. Você pode receber respostas inesperadas, que ajudarão a entender o assunto que você está estudando. Mas pode não receber resposta ou receber resposta ofensiva ou malcriada.


As dificuldades ficam por conta da pergunta e da análise dos dados coletados. Nem sempre  o entrevistado sabe a resposta, ou quer dizer a verdade. Em certas circunstâncias - como no local de trabalho ou com testemunha em um inquérito policial - o respondente pode ter medo de responder. E não se esqueça que fazer entrevistas exige empatia - o respondente pode simplesmente "não ir com a sua cara". 


No caso de pesquisas abertas, não é fácil tabular os resultados e nem sempre pode ser feita uma análise estatística. Isto significa despender muito mais tempo e dinheiro com a análise de questões abertas do que com questões fechadas (1).


As respostas às questões abertas devem ser analisadas por profissional especializado. De qualquer forma, cabe aqui dar alguma noção de como isso é feito (2)

 

1.     Leia todas as respostas.

2.     Anote as ideias mestras descritoras do essencial nos depoimentos.

3.     Agrupe as ideias que têm significado semelhante.

4.     Busque expressões que descrevam cada uma das ideias mestras.


Exemplo

Questão: Que benefícios o curso trouxe para você?

 

Comentário: Se essa pergunta foi feita para 100 alunos no final de um curso, seria preciso examinar pelo menos 40 questionários para ter ideia dos tipos de resposta que podem ser obtidos . Mas imagine que as respostas de três alunos, designados por A, B, C, foram:

 

1.     Aluno A: Oportunidade para conhecer colegas e superar minha dificuldade de trabalhar em grupo.

2.    Aluno B: Conheci colegas e aprendi técnicas para melhorar minhas relações com os clientes.

3.     Aluno C: Gostei de trabalhar com o grupo.

 

Dessas três respostas, você tira que foram assinaladas, pelos alunos, três benefícios do curso:

1. Conhecer colegas.

2. Aprender participar de trabalhos em grupo.

3. Melhorar as relações com clientes.


 Exemplo

As doenças degenerativas provocam a degeneração de todo o organismo. A artrite reumatoide (AR), também conhecida como reumatismo deformante, é uma delas. Mas os médicos tendem a cuidar do paciente e esquecer o impacto da doença na família. O artigo Family Matters: The impact of RA on the partners and family members (3) chama a atenção para a necessidade de olhar o entorno, a família, o trabalho, os amigos do doente, apresentando os resultados de uma pesquisa com respostas espontâneas. Veja alguns resultados de uma análise de conteúdo (4).

 

            Impacto em filhos de pessoas com artrite reumatoide

 

Filhos relatam que é difícil ver o sofrimento do pai/da mãe no dia a dia, que sentem ansiedade ao saber de novos tratamentos e que sofreram o impacto da doença na tomada de decisão nas próprias vidas. Os que tinham menos de 18 anos por ocasião do diagnóstico da doença em um dos pais lembraram que, quando crianças, estavam sempre conscientes de que um de seus pais era doente; ficavam amedrontados ou ansiosos; estavam sempre conscientes de que havia coisas que não podiam fazer porque um de seus pais tinha artrite reumatoide.

 

Buscando as “ideias mestras” nos relatos, foi possível obter algumas porcentagens: assim, relataram que a doença de um dos pais afetou sua própria vida como adulto 83% dos respondentes. Desses, relataram:

 

·         Preocupação com o pai ou mãe doente (85%)

·        Escolhas diferentes sobre sua própria saúde e estilo de vida (44%)

·        A doença de um dos pais foi fator decisivo para a escolha de onde morar ou trabalhar (35%).

 

             Impacto em pais de pessoas com a artrite reumatoide

 

Pais de pessoas com artrite reumatoide mostraram grande variação nas respostas, mas, em geral, disseram sentir-se sobrecarregados.  Eles relataram ansiedade intensa, estresse e incerteza sobre o futuro desses filhos. Afirmaram sentir o impacto emocional da doença em toda a família. Pais de crianças com artrite reumatoide juvenil contam o impacto dessa doença nos outros filhos e relatam ressentimento e culpa. Pais de filhos adultos ajudam os próprios filhos e as famílias dos filhos, mas sentem que isso é muito pesado.

                        Vantagens e desvantagens das questões abertas

Vantagens

               §   Permitem que os respondentes se expressem em suas próprias palavras.

                                  §   Indicam o nível de informação do respondente.

§   Podem trazer informação inesperada.

 

Os pesquisadores da área qualitativa preferem as questões abertas. Eles enfatizam a relatividade cultural do sentido das palavras – isto é, as palavras do respondente devem ser entendidas com o significado que o respondente dá a elas. Ainda, o significado dado a uma palavra em determinada situação pode ser bem diferente do significado dado em outra situação (5).

As questões abertas são muito úteis na “garimpagem”, gíria que os pesquisadores usam para dizer que é preciso buscar, nas respostas dos respondentes, boas ideias para a discussão do trabalho ou, até mesmo, novas pesquisas. As questões abertas são, portanto, mais recomendadas nos estudos iniciais de certas áreas, porque ajudam o pesquisador a desenvolver opções de resposta para questões fechadas em um projeto maior.

 

Desvantagens 

 

As questões abertas exigem reflexão para chegar a uma resposta e podem, por conta disso, cansar ou desagradar o respondente, que acaba desistindo de participar. Ainda, a análise dos dados é difícil.

 

Referências

1.    O que é análise de conteúdo?   https://www.blogger.com/blog/post/edit/24844129/7500330494802219092

2.    Bioética - Universidade São Camilo. https://www.blogger.com/blog/post/edit/24844129/5158806926615870332

3. Survey 2012 - National Rheumatoid Arthritis Society:

 http://www.google.com.br/#sclient=psy-ab&hl=pt-   Acesso em junho de 2012.

4. O impacto da doença degenerativa na família. https://soniavieira.blogspot.com/2013/04/

5. Foddy, W. Constructing questions for interviews and questionnaires: Theory and practice in social research. New York, Cambridge University Press. 1996. p.126.

 




Sunday, July 31, 2022

QUESTIONÁRIO com questões fechadas (ou pesquisas estimuladas)

  

Nas questões fechadas  as chamadas pesquisas estimuladas nas prévias eleitorais  você oferece ao respondente algumas alternativas de resposta por escrito, ou faz a pergunta pessoalmente ou por telefone. As questões fechadas dão a frequência de cada opção entre as alternativas oferecidas – não trazem informação nova. Mas têm vantagens: são fáceis de responder e fáceis de  apurar. Nas prévias eleitorais, os institutos de pesquisa fornecem os nomes dos candidatos já inscritos ou praticamente inscritos, na tentativa de assim prever o resultado das eleições.

 

Vamos  ver algumas particularidades das questões fechadas, mais comumente usadas nas pesquisas acadêmicas.

 

 

1.   Formatação das questões fechadas

 

Há várias maneiras de apresentar as opções de resposta ao respondente. Uma boa escolha é o uso de caixas ou círculos adequadamente espaçados, com demarcação ou por parêntesis, no lugar em que o respondente deve ser instruído a assinalar sua opção com um X.

 

                               Exemplo

 

 Questão: O senhor/a senhora frequenta alguma igreja?

o  Sim

o  Não

 

                              Exemplo

 

   Questão: Deve haver reserva de vagas nas universidades para

o    Negros.

o    Indígenas.

o    Pessoas pobres.

o    Egressos de escolas públicas.

o    Ninguém.

 

Algumas questões são contingentes, isto é, devem ser respondidas apenas pelos respondentes que fizeram determinada opção. Quando for este o caso, você faz duas perguntas, mas só deve responder à segunda pergunta quem respondeu “sim” à primeira. As perguntas contingentes em geral ajudam, porque facilitam a resposta e a análise, mas demandam formatação especial.

 

                                   Exemplo

 

Questão: Alguém da sua família pertence à Associação de Pais e Mestres da nossa escola?


2. Tipos de resposta que podem ser oferecidos para a questão fechada

 

Questionários com questões fechadas são usados em levantamentos feitos por correio (endereço físico ou endereço eletrônico) e em entrevistas feitas por telefone. Também são usados questionários com questões fechadas nas prévias eleitorais, nas pesquisas de opinião e nas pesquisas de mercado em que os respondentes são abordados em lugares públicos.

As opções de resposta que podem ser oferecidas aos respondentes dependem, evidentemente, da pergunta feita. Mas alguns cuidados são necessários. Quando se perguntam fatos ou atitudes, duas categorias de resposta são, em geral, suficientes. No entanto, quando a pergunta pretende levantar uma opinião, é importante ter a categoria “Não sei”, que dá ao respondente a possibilidade de dizer que não têm opinião ou que ainda não pensou sobre o assunto. Quando esta segunda situação ainda é bastante possível, deve haver, ainda, uma categoria com o título “Não decidi”. As prévias eleitorais têm, sempre, essa categoria.

 

                                 Exemplos


            Questão: O senhor/ a senhora já viajou para o exterior?

o     Sim

o     Não

           Questão: O senhor/ a senhora acha que o Brasil é um país corrupto?

o     Sim

o     Não

o     Não sei

 

As respostas oferecidas ao respondente devem ser inclusivas, ou seja, os respondentes não devem ficar perdidos, sem saber em que categoria se enquadrar. A solução mais simples – se você não tiver a certeza de que está oferecendo ao respondente todas as opções possíveis de resposta – é colocar uma categoria com a denominação


“Outros ______________” ou 

“Sem declaração”.

 

                               Exemplo

 Questão: Qual é a sua cor ou raça?

 

o     Branca

o     Preta

o     Amarela

o     Parda

o     Indígena

o     Não sei dizer

 

Segundo, as respostas oferecidas ao respondente devem ser mutuamente exclusivas, isto é, o respondente não pode se sentir enquadrado em mais de uma categoria.

 

                             Exemplo

                        Questão (inadequada): Qual é o seu estado civil?                                 

  O   Solteiro
Casado
              O Em união estável
Viúvo 
      O Desquitado

Comentário: As alternativas oferecidas não oferecem todas as possibilidades. O/A respondente que for, por exemplo, desquitado (a) ou separado (a) judicialmente, pode achar que não tem opção de resposta.

 

As opções de resposta podem ser apresentadas de diferentes maneiras. Algumas questões só admitem respostas dicotômicas, outras oferecem múltiplas escolhas e outras oferecem opções escalonadas.

 

  • Binária: a pergunta permite apenas dois tipos de resposta como, por exemplo, “Sim” e “Não”.

                                                 Exemplo

                 Questão: Você mudou de emprego nos últimos 12 meses?

o       Sim

o       Não

 

  • Múltipla escolha: são dadas, ao respondente, várias opções de resposta, para que ele próprio faça a escolha.

 

                             Exemplo

                   Questão: Qual é o seu grau de escolaridade?

                o   Fundamental incompleto

o   Fundamental completo

o   Médio incompleto

o   Médio completo

o   Superior incompleto

o   Superior completo

  •  Escalonada: as alternativas de resposta estão organizadas em escala, de tal maneira que o respondente, ao fazer sua opção, indica seu posicionamento perante a pergunta feita. A escala pode ser dada em palavras.

                                                Exemplo

Questão: Você é a favor da descriminalização da maconha?

 

o   Totalmente favorável

o   Moderadamente favorável

o   Indiferente

o   Moderadamente contrário

o   Totalmente contrário

 

No exemplo dado, as respostas vão da concordância para a discordância. Poderia ser feito o contrário, como é mostrado em seguida.

 

                          Exemplo

Questão: Você é a favor da descriminalização da maconha?

 

o    Totalmente contrário

o    Moderadamente contrário

o    Indiferente

o    Moderadamente favorável

o    Totalmente favorável

 

Se o número de respondentes for grande, a recomendação é a de que você faça metade dos questionários que serão distribuídos indo da concordância para a discordância e a outra metade indo do da discordância para a concordância.


            Itens de Likert

Questionários com cinco alternativas escalonadas, conhecidas como itens de Likert, são muito usadas em levantamentos de dados. Likert sugeriu ainda que os questionários fossem formados não apenas por questões, mas também por declarações, o que aumentaria a flexibilidade do questionário e tornaria a tarefa do respondente mais agradável. As declarações devem ser redigidas de forma simples, como, por exemplo: “A aula foi excelente”. O respondente então assinala seu grau de concordância com cada uma das declarações que o pesquisador apresentar.


Likert enfatizou o uso de escalas com cinco alternativas:

1) concorda fortemente;

2) concorda;

3) nem concorda nem discorda;

4) discorda;

5) discorda fortemente.


Mas não existe um consenso sobre o número de respostas alternativas que devam ser oferecidas ao respondente. O número ótimo de alternativas depende da natureza da questão e das características do respondente.


      É, porém, conhecido o fato de muitos respondentes sentirem insegurança para tomar posição diante de certos questionamentos: ficam “em cima do muro”. As respostas alternativas em número ímpar admitem sempre um “ponto neutro”: a alternativa do meio da série significa nenhum posicionamento em relação ao assunto, nenhuma opinião.

 

     Alguns especialistas recomendam evitar o “ponto neutro” para forçar o respondente a tomar posição – positiva ou negativa – em relação ao assunto tratado. Recomendam, portanto, número par de respostas alternativas. Veja o exemplo dado em seguida, que força o respondente a tomar posição.

 

Exemplo


Questão: Você considera sua preparação suficiente para o cargo que ocupa?


Dada à controvérsia, recomenda-se fazer algumas questões com número par de respostas – para obter um posicionamento – e outras questões, mais sensíveis, em número ímpar, para não pressionar demais o respondente.

Vimos a graduação feita por palavras, mas essa graduação também pode ser feita por escala diferencial semântica, escala visual analógica, figuras[1].

 

Escala diferencial semântica: o respondente é convidado a classificar sua opinião em uma escala linear numérica com, geralmente, 5 ou 7 níveis. É melhor que os dois extremos sejam explicados com palavras.

 

                                                       Exemplos

Questão 1 (inadequada):


Considere sua vida, em geral. Numa escala de zero a 10, que nota você daria?


           

Comentário: A declaração é muito vaga e a escala é muito ampla. Que resposta você daria? A menos que esteja numa hora de euforia (nota dez) ou de depressão (nota zero), você não encontra critérios para julgar.


Questão 2 (adequada):


Você experimentou nossa máquina fotográfica. Classifique a declaração feita em seguida numa escala de 1 (Discordo completamente) a 5 (Concordo perfeitamente).

         

           É fácil usar a máquina. 

 

                  1    2    3    4    5

 

Escala visual analógica: é fornecida uma escala ao respondente, como, por exemplo, uma linha horizontal em que o respondente deve dar sua resposta fazendo uma cruz no ponto onde ele próprio se situa.

 

Exemplo

Questão: Faça uma cruz na linha abaixo no ponto que dá o grau de dor que está sentindo. 


Em lugar de uma linha, você pode fazer um desenho mais sugestivo.

 

Exemplo

Questão: Marque (com um X) seu grau de satisfação com o resultado da cirurgia.

 

Por figuras: são fornecidas figuras sugestivas, para o respondente escolher a que mais expressa os sentimentos que ele tem como resposta à pergunta feita. As figuras devem ser usadas preferencialmente com crianças ou com pessoas de pouca escolaridade.

 

Exemplo

Questão: Como você se sente quando pensa na sua escola?

 

                                          

Exemplo

Questão: Você quer subir na vida. Nas duas escadas desenhadas abaixo, em que degrau você estava no ano passado? Em que degrau você está este ano? Marque os degraus com um X.


                

              São dadas aqui algumas sugestões para você levar em conta quando faz seu questionário:

 

§  Use escalas com, no máximo, sete pontos (se puder menos, melhor).

 

§  É difícil para muitas pessoas expressar sentimentos, desconforto, apreciação em valores numéricos.  Então, em vez de dizer:


 “Entre um e cinco, que nota você daria à aula que assistiu? ”


 Pergunte:


 “Que nota você daria à aula que assistiu entre um (aula ruim) e cinco (aula excelente)? ”

  •  Nunca use números negativos.


§  Algumas pessoas têm dificuldade em distinguir entre “bom” e “muito bom”. Escreva “bom” e “excelente”. Escreva “dor forte” e “dor muito forte” em lugar de “dor forte” e “dor severa”.

 


      Para ajudar na construção das respostas alternativas escalonadas, seguem algumas sugestões.

 

            Expressões usadas nos itens de Likert

 

Expressões de concordância

Duas respostas alternativas

o Concordo

o Discordo

Três respostas alternativas

o   Concordo

o   Indeciso

o   Discordo

Cinco respostas alternativas

o   Concordo plenamente 

o   Concordo 

o   Indeciso

o   Discordo

o      Discordo completamente

                         Seis respostas alternativas

o      Concordo plenamente 

o      Concordo moderadamente 

o      Concordo levemente 

o      Discordo plenamente 

o      Discordo moderadamente

o      Discordo completamente

          Algumas expressões de frequência

                        Quatro respostas alternativas

o       Geralmente

o       Às vezes 

o       Raramente

o       Nunca

                       Cinco respostas alternativas

o      Quase sempre

o      Muito 

o      Ocasionalmente 

o      Pouco

o      Nunca

                      Cinco respostas alternativas

o      Sempre

o      Geralmente

o      Às vezes 

o      Raramente

o      Nunca

              Algumas expressões de importância 

                       Cinco respostas alternativas

o      Muito importante 

o      Importante 

o      Mais ou menos importante 

o      De pouca importância

o      Sem importância

               Algumas expressões de qualidade

                       Cinco respostas alternativas

o      Muito bom

o      Bom 

o      Aceitável 

o      Ruim 

o      Muito ruim

                        Três respostas alternativas

o      Bom

o      Aceitável

o      Ruim

                Algumas expressões de probabilidade 

                        Sete respostas alternativas

o      Sempre

o      Muito provavelmente

o      Provavelmente sim

o      Possivelmente 

o      Provavelmente não 

o      Muito provavelmente não

o      Nunca 

 

3.3.1.4. Uma alternativa

 

Há quem considere que é melhor forçar o respondente a uma escolha – e simplesmente esquecer as escalas. Não teria sentido, portanto, fazer itens com respostas concorda/discorda, porque algumas pessoas concordam com qualquer coisa que estiver escrita à sua frente.

 

                         Exemplo

Questão (inadequada): A maioria dos homens se ajusta à política mais bem do que as mulheres.

 

o    Concordo

o    Discordo

 

Comentário: Alguns especialistas em questionários consideram esta maneira de formular a questão inadequada, porque muitas pessoas concordariam simplesmente porque estão acostumadas a concordar, sem pensar no assunto.

 

               Questão (adequada): Escolha uma das alternativas:

o   Homens se ajustam mais bem à política do que mulheres.

o   Homens e mulheres se ajustam igualmente bem à política.

o   Mulheres se ajustam mais bem à política do que os homens.

Comentário: Esta segunda questão, que exige escolha forçada, é mais apropriada.

 

Em assuntos controversos, é razoável deixar claro ao respondente que o pesquisador sabe da existência de opiniões diametralmente opostas – e não está preocupado com o tipo de resposta que vai receber.

 

                                    Exemplos

Questão 1: Algumas pessoas acham que homossexuais não podem exercer algumas atividades profissionais. Outras acham que isso não faz diferença. Em sua opinião, um homossexual pode ou não ser padre?

 

Questão 2: Algumas pessoas acreditam que o Brasil não é afetado por crises econômicas no mundo. Outras pessoas acham que o Brasil é afetado. O que o senhor pensa?