Imunidade do rebanho em relação à determinada doença infecciosa ocorre quando a proporção de pessoas imunes se torna grande o suficiente para fazer com que a disseminação da doença diminua na comunidade. Quanto maior for o número de pessoas imunes, menor será a probabilidade de uma pessoa suscetível entrar em contato com a doença. A cadeia de infecção se quebra, mas isso não significa que se desfaz. A doença continuará na comunidade, embora a propagação se faça em ritmo cada vez menor.
O Dicionário de Epidemiologia, Saúde Pública e Zoonoses
da USP (1) registra o termo “imunidade
do grupo”, em lugar de “imunidade
do rebanho”. Outros
preferem a expressão “imunidade
comunitária” ou “imunidade da
comunidade” ou “imunidade coletiva”. Mas “imunidade do rebanho” é
a tradução literal da expressão inglesa herd immunity, amplamente utilizada
em todo o mundo.
Quantas pessoas precisam estar
imunes em uma comunidade para se chegar à imunidade de rebanho? Lembre-se de
que o número básico de reprodução,
que se indica por R0 (lê-se
R-zero), é o número médio de pessoas infectadas por um único indivíduo
infectado introduzido em uma população completamente suscetível, ou seja, onde
ninguém é imune ou já foi infectado.
Por exemplo, para R0 = 2, se um indivíduo
infectado for introduzido em uma comunidade totalmente imune, ou seja, em que
100% é imune, ele infectará em média 2 pessoas, essas 2 infectarão 4, que
infectarão 8 e assim por diante, em progressão geométrica. Veja a Figura 1.
Figura 1 - R0 = 2; no período, ninguém recuperado
Verde é susceptível, vermelho é infectado
Número efetivo de
reprodução,
que se indica por R ou por Rt (lê-se R-t), é
o número médio de pessoas infectadas no momento t por um
indivíduo infectado introduzido em uma população parcialmente imune. R e R0 estão,
evidentemente, relacionados. Fazendo s indicar a proporção de
indivíduos imunes na população, tem-se que:
R = s R0.
Por exemplo, se R0 = 2 e um indivíduo
infectado for introduzido em uma comunidade onde metade (ou seja, 50%) da população é imune, o valor de R é assim
obtido:
· R>1: o número de casos da doença está aumentando. Epidemia.
· R= 1: cada infectado causa uma nova infecção. Endemia
· R<1: de um caso. A doença diminuirá e eventualmente acabará.
Figura 2 - R0 = 1; no período, ninguém recuperado
Verde é susceptível, vermelho é infectado, azul é imune
A disseminação de uma doença infecciosa diminui quando R assume valores abaixo de 1, ou seja, a imunidade de rebanho ocorre quando R < 1. Como R = s R0, a imunidade de rebanho acontece quando
s R0 < 1.
Reorganizando:
Dado que a proporção de pessoas suscetíveis na população é s, a proporção de não suscetíveis, ou seja, a proporção de imunes é (1 – s). Então, para que ocorra a imunidade do rebanho, é preciso que
A primeira estimativa do número básico de reprodução R0 para a COVID-19 foi feita com os dados de 425 casos ocorridos no início do surto, em janeiro de 2010 na cidade de Wuhan, China (2). Os cálculos indicaram que um indivíduo infectado introduzido em uma população completamente suscetível é capaz de infectar em média 2,2 pessoas, (IC 95%: 1,4-3,7). Com base nessas estimativas iniciais, é razoável considerar, por precaução, R0= 3. Então, a imunidade do rebanho será alcançada quando
ou seja, quando cerca de 70% da população estiver imune. No entanto, tomando R0= 2, valor que está dentro do intervalo de confiança para a média citada, a imunidade do rebanho seria alcançada quando 50% da população estiver imune.
A porcentagem de pessoas que precisam ter imunidade para desacelerar ou parar com segurança uma doença infecciosa é chamada de limiar de imunidade do rebanho, em geral indicada por HIT, iniciais do termo em inglês herd immunity threshold. As estimativas de HIT são, por ora, muito fluidas. De qualquer modo, para os dois exemplos dados acima, em que R0= 3 e R0= 2, os valores de HIT são, respectivamente, 67% ou aproximadamente 70% e 50%.
Mas a situação é grave. Não há tratamento específico para a COVID-19, doença que pode levar ao óbito ou a sequelas ainda não percebidas. Não há vacina. É verdade que os cientistas estão trabalhando furiosamente para desenvolver uma vacina segura e eficaz para o SARS-Cov-2. Mas isso leva tempo. É preciso que sejam terminados os testes com humanos e analisados os resultados. Se tudo der certo, ainda é preciso obter a necessária aprovação dos órgãos governamentais competentes. Só depois se pode dar início a um processo produtivo em massa, capaz de cobrir com segurança a população. Até lá, o que se pode fazer?
Na melhor das
hipóteses, haveria um esforço conjunto de toda a população – tomando cuidados
redobrados com a higiene, fazendo uso correto de máscaras faciais e mantendo
distanciamento físico contínuo por um período prolongado. Nesse caso, os níveis atuais de infecção poderiam ser mantidos ou,
eventualmente, reduzidos. Mas precisaríamos de liderança com moral suficiente
para não minimizar o que está por vir (3).
Ironicamente, o confinamento, o distanciamento físico (4) e o lockdown significam que boa parte da população não está ganhando imunidade, porque muitos não foram infectados; portanto, o número de casos da doença aumenta quando o bloqueio é liberado. Uma opção é entrar em bloqueios intermitentes para manter os sucessivos picos da epidemia abaixo da capacidade crítica dos sistemas de saúde.
Mas o que se pode pensar como a pior hipótese? Sem a mão firme do governo federal em políticas públicas para retardar a disseminação do SARS-CoV-2 e, por conseguinte, sem a aderência da população a essas políticas, o vírus continuará infectando pessoas, porque a maioria da população ainda não foi infectada. Enquanto a vacina (há mais de 100 em desenvolvimento!) não chegar, só podemos esperar pela imunidade do rebanho – o que pode significar bilhões de infectados e milhões de mortos. E não dá para duvidar dessa possibilidade.
Na Suécia, onde os formuladores de políticas encorajaram cada indivíduo a assumir responsabilidade por sua própria saúde em vez de impor restrições, os números de mortos por dia pela COVID-19 foram muito mais altos do que nos outros países nórdicos, como mostra em gráfico o neurocirurgião Dr. Tamas (5). Veja a Figura 3. Então, há muito com o que você deve se preocupar.
Figura 3: Mortes por dia por milhão da população
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