Ou aqueles dezoito
sobre os quais caiu a torre em Siloé e
os matou, cuidais que foram mais
culpados do que
todos quantos homens habitam Jerusalém?
Evangelho segundo São Lucas,
capítulo
nº 13, versículo nº 4
Os
povos primitivos atribuíam aos deuses os fenômenos naturais. E achavam não haver
maneira de prever o que eles fariam porque entendiam ser próprio dos deuses comportarem-se
de forma caprichosa e errática. Parecia aos povos primitivos que uma boa
colheita ou uma doença aconteciam sem que para isso houvesse qualquer motivo. Nada
tinha explicação. Aos poucos, no entanto, certas regularidades no
comportamento da natureza começaram a ser percebidas.
Buscar padrões de
comportamento – das plantas, dos animais, das pessoas – não está errado. Ao
contrário, é importante conhecer as ações que os organismos manifestam sempre,
ou eventualmente, em resposta ao ambiente em que vivem ou em que são colocados.
A agricultura, por exemplo, só pôde ser desenvolvida graças à capacidade dos
humanos para encontrar padrões. Nossos longínquos antepassados perceberam que
as plantas mais bem se desenvolvem quando a terra está úmida e assim associaram
o tempo das chuvas à hora de plantar. Também aprenderam que nos invernos
rigorosos há pouco o que colher e aprenderam a armazenar.
O desejo de compreender a
natureza e buscar uma explicação causal para todos os eventos provavelmente
estiveram entre as forças motrizes da evolução dos seres humanos, há centenas
de milhares de anos. Assim, não é nenhuma surpresa que o debate filosófico sobre
a causalidade remonte a tempos antigos. Mas foi só a partir do século 17 que a
ciência estabeleceu a física clássica, graças principalmente aos trabalhos de
Galileu Galilei e Isaac Newton. Chegou-se então à ideia do determinismo científico 1.
Hoje sabemos que alguns eventos são determinísticos,
mas outros são probabilísticos, no sentido de que sabemos que ocorrerão, embora
não saibamos identificar o que, ou quem, será atingido. No entanto, ainda existem pessoas que desejam atribuir causas a todos
os acontecimentos, a ponto de criarem teorias sem sentido para respaldar sua
ânsia de explicar tudo. Nossa capacidade de perceber padrões não pode, porém, tornar-se
obsessiva.
Nem sempre recebemos a mesma resposta para os mesmos
por quês. Às vezes acontece, às vezes não acontece o que esperávamos que
acontecesse. Mas queremos ter sucesso em nossas previsões. Precisamos, portanto, da
estatística para explicar muitos fenômenos e encontrar alguma ordem, onde ordem
houver. Vamos aos fatos.
Parece que foi Karl Pearson quem primeiro
percebeu ser necessário mudar o paradigma da ciência, de determinista para probabilística 2.
Uma história dá suporte a essa hipótese. Em 1905 Pearson fez um desafio na
revista Nature, pedindo que alguém
inventasse uma fórmula matemática para prever quão longe do local de origem
(presumivelmente um bar) iria um bêbado, se ele andasse um metro em linha reta,
depois "virasse em qualquer direção", caminhasse outro metro, virasse
novamente “em qualquer direção", e assim por diante, n vezes. Estudando as
respostas, Pearson concluiu que, em campo aberto, o mais provável seria
encontrar o bêbado – se ele tivesse permanecido em pé e andando – próximo do
ponto de partida 3. Mas não achou a tal “fórmula matemática”.
Esse caminhar errático, conhecido como “o andar
do bêbado”, posteriormente recebeu o nome mais respeitável de passeio
aleatório, proposto pelo próprio Karl Pearson. Dizemos que um
ponto faz um passeio aleatório no espaço quando se move em passos e a direção
de cada novo passo é determinada apenas pelo acaso. Foi também em 1905 que
Albert Einstein publicou seu mais citado trabalho – embora menos conhecido do grande
público do que a teoria da relatividade 4 – que acabou por convencer
os cientistas da época sobre a necessidade de uma abordagem estatística para a física.
Einstein explicou o fenômeno conhecido como movimento browniano, que é o
movimento aleatório das partículas que estão em suspensão em um fluido 5.
O movimento browniano recebeu esse nome em honra ao botânico escocês Robert
Brown, que estudou o fenômeno na segunda década do século XIX.
Brown colocou minúsculos
grãos de pólen de uma flor na água, e observou ao microscópio. Viu que os grãos
de pólen ziguezagueavam continuamente, apesar de a água estar parada. Não
conseguiu, porém, explicar o fenômeno. Nas décadas seguintes pesquisadores
aplicaram conhecimentos de estatística e explicaram que o movimento era causado
pelo impacto de átomos do fluido nas partículas suspensas. Mas não convenceram a
sociedade científica da época porque, até então, átomo era apenas uma hipótese
e muitos consideravam que jamais seria visto. Foi preciso um Einstein para
explicar o mecanismo exato do movimento browniano – com estatística pesada. O
movimento browniano é um passeio aleatório, aquele aventado por Pearson. E a
necessidade de estatística na física nunca mais foi questionada.
O movimento browniano
explica, por exemplo, o caminho que uma partícula de poeira faz no ar devido às
muitas colisões com as moléculas de gás. Toda criança gosta de observar os
movimentos de partículas de pó em uma réstia de sol. Aliás, muitos adultos
também. Mas os cientistas, que estão sempre atrás de descobertas, mostraram que
o movimento browniano explica outros fenômenos que têm trajetos aleatórios,
além dos grãos de poeira que volteiam no ar. É o acaso que determina
o sucesso de músicas, os preços das ações, a segurança de um reator nuclear 6,
a infestação de pernilongos (“mosquitos”) em uma floresta 7 e até
mesmo a variação da inteligência dos homens ao longo das eras.8
Einstein foi quem primeiro apontou a aplicação prática para a
chamada física estatística. De acordo com o físico Mlodinow,9 “isso representou o triunfo de
uma regra de ouro: grande parte da ordem que percebemos na natureza esconde um
distúrbio, profundo e invisível, que só pode ser entendido por meio das regras
do acaso". Colocando essa frase e o movimento browniano em termos de nós
mesmos, talvez seja certo dizer que os esbarrões que levamos na vida – e nos
fazem mudar de rumo para o bem ou para o mal – não foram premeditados ou
estavam estabelecidos a priori: aconteceram por acaso.
De qualquer
modo, foi no início do século XX que conhecimentos de matemática, probabilidade
e estatística começaram a ser aplicados não apenas na física, mas também em outras
ciências. Foi nessa época que a estatística mostrou ser ferramenta preciosa
para as ciências agrícolas. Um grupo de pesquisadores que trabalhou na Estação
Experimental de Agricultura de Rothamstead, na Inglaterra 10
desenvolveu técnicas experimentais que hoje são aplicadas a muitas outras áreas
de conhecimento – as chamadas ciências físicas e naturais. No entanto, a origem
agrícola das ciências experimentais é incontestável.
O grupo de
estatísticos de Rothamstead era capitaneado por sir Ronald Fisher, que
desenvolveu a análise da variância. A lógica dessa análise estatística é
separar a variação que pode ser atribuída ao acaso da variação devida a causas
ou fatores conhecidos (que, grande parte das vezes, podem ser entendidos como
determinísticos). Ainda, em 1935 Fisher publicou o clássico “The Design of
Experiments”. Esse livro foi extremamente importante para a revolução que aconteceu
em muitas áreas da ciência na primeira metade do século XX. Fisher não inventou
a experimentação, mas foi quem pôs ordem na casa.
Os cientistas
faziam “experiências” sem o necessário planejamento e, muitas vezes, apresentavam
apenas pequenas partes de seus resultados à sociedade científica da época ou,
até mesmo, nem sequer publicavam os dados. Não apresentavam análises. O notável
monge cientista Gregor Mendel, cognominado o “Pai da Genética” porque, no
século XIX, mostrou os princípios básicos da hereditariedade cruzando ervilhas
em seu jardim, publicou apenas parte de seus dados, seguindo o costume da época 11.
Mesmo assim, Fisher escreveu um artigo 12
em que diz que os dados de Mendel são “bons demais para serem verdadeiros”.
Esse trabalho ficou muito conhecido e é discutido até hoje porque alguns
experimentos relatados por Mendel dão resultados muito próximos da expectativa
que o cientista tinha em mente 13. Embora a seriedade e a importância
do trabalho de Mendel não tenham sido postas em dúvida, o fato sugere que o
geneticista sofria a influência do determinismo científico vigente no século
XIX, que levava os cientistas a apresentar só os “melhores” resultados das
experiências científicas – sem apontar perdas e sem apontar a variação
aleatória que, hoje sabemos, precisa ser destacada nas estatísticas.
Mas os
conhecimentos de estatística – embora tenham sido incorporados de maneira
definitiva à ciência e à tecnologia, difundiram-se de forma gradativa. De
qualquer modo, o controle de qualidade na produção industrial é consequência da
maneira estatística de pensar – isto é, da ideia de que é preciso separar o que
é aleatório do que é determinístico. Foi a Companhia de Telefones BELL que, por
volta de 1920, quis melhorar a qualidade de seu sistema de transmissão e
chamou, para isso, Walter Shewhart, um engenheiro com doutorado em física.
Depois de idas e vindas, sempre trabalhando em diferentes problemas da
companhia, Shewhart apresentou, em 1924, o seu gráfico de controle.
Para criar o
gráfico de controle, Shewhart precisou reconhecer que todo processo de produção
sofre o efeito de diferentes causas de variação, mas que a variação de natureza
aleatória não pode, evidentemente, ser controlada. Não é fácil entender isso. Mas, imagine que você vai fazer 150 pães um
a um, seguindo uma receita que produz pães com 500 gramas 14 .
Existem muitas causas de variação para o peso dos pães. Por simples acaso, você
pode colocar mais, ou menos farinha e/ou leite em alguns pães. O forno pode
estar mais quente, ou menos quente quando assar alguns dos pães. Pode haver um
pouco mais, e às vezes um pouco menos de umidade no ar enquanto alguns pães
crescem; a temperatura ambiente pode ficar um pouco mais alta, ou um pouco mais
baixa e assim por diante. O resultado desses efeitos todos é o de que, no
final, alguns pães terão mais do que 500 gramas , outros menos e a grande maioria terá
peso muito perto de 500 gramas .
A pequena variação de peso dos
seus pães ocorreu porque a produção não pôde ser totalmente controlada: houve
pequenas variações nas quantidades dos ingredientes e nas condições do
ambiente, que aconteceram por acaso. Como as variações foram pequenas, você
considerou que tudo esteve “sob controle”. No entanto, você há de reconhecer
que a situação ficaria “fora de controle” se ocorresse quebra da balança, queima de um termostato, queda de energia elétrica etc.. Esses eventos são, de certa forma, imprevisíveis. O gráfico de controle idealizado por Shewhart mostra
se os resultados do processo de produção estão sendo significativamente
alterados por uma causa especial de variação – como quebra de balança, no caso
do exemplo.
No campo da saúde, o pensamento estatístico demorou
a se difundir porque muitos profissionais alegavam que medicina é uma arte –
que não poderia se submeter aos ditames da matemática. O primeiro experimento
conduzido com delineamento planejado conforme a proposta de Fisher só aconteceu
no final da década de 40 (Medical Research Council, 1948)15. Dada à dúvida
sobre o efeito da estreptomicina no tratamento da tuberculose pulmonar – e
respaldado pelo fato de ser reduzida sua disponibilidade no pós-guerra – o
médico Sir Austin Bradford Hill convenceu médicos ingleses a designarem seus
pacientes aleatoriamente para um de dois grupos: o grupo tratado, formado pelos
doentes que receberiam a droga e o grupo controle, formado pelos doentes que não
receberiam medicação. A distribuição aleatória de estreptomicina foi, na
ocasião, amplamente justificada pelas quantidades limitadas da droga, mas
possibilitou a avaliação dos fatos: a variabilidade natural da doença havia
sido modificada por um fator não aleatório, a estreptomicina. Comprovou-se,
assim, a eficácia do tratamento.
Após a
Segunda Grande Guerra, outros estudos clínicos começaram a ser feitos na
Inglaterra e trouxeram muitas das melhorias que ocorreram nos serviços médicos
nas décadas seguintes. Por causa do sucesso, os ensaios se multiplicaram e
fizeram surgir novas questões, tanto de ética como de metodologia. Mas foi só
em 1990 que Alvan Feinstein e Ralph Horowitz propuseram regras rígidas para a metodologia
da condução desses ensaios 16. Hoje, por razões de ética, diretrizes
nacionais e internacionais impõem normas aos ensaios com seres humanos e com
animais, que precisam ser rigorosamente obedecidas.
A estatística se tornou um apoio fundamental para
os estudos no século XX e adentrou impávida pelo século XXI. Afinal, é a
ciência que estuda o acaso – sem procurar domesticá-lo. Como escreveu o físico
Prêmio Nobel Max Born, “acaso é conceito mais fundamental que causalidade”. Mas
a questão de medir quanto, e como, uma coisa causa outra, continua de pé.
Buscamos sempre identificar as causas de tudo que nos acontece de ruim. “Minha
amiga tem câncer de pulmão porque sempre foi fumante. Minha irmã tem péssimo temperamento
porque nasceu sob o signo de Áries”. A estatística mede o grau de verdade
dessas informações, mas nem sempre é convincente. Vejamos a questão do hábito
de fumar que é, sem dúvida, a maior fonte de estatísticas de todos os tempos.
Fisher, o cultuado estatístico, sempre rejeitou a
possibilidade de o tabagismo ser o fator causal de varas doenças. Essa
insistência em não aceitar que fumar faz mal à saúde talvez fosse uma
idiossincrasia do velho sábio, muitas vezes fotografado fumando seu cachimbo. Ele
alegava que fatores sociais, genéticos, de personalidade poderiam levar tanto
ao hábito de fumar como causar determinadas doenças. Mas Alvan Feinstein diz
que esses argumentos nunca foram convincentes – e aponta um fato que pode
explicar a relutância de Fisher em admitir que o tabagismo é fator de risco para
diversas doenças: ele era consultor da indústria britânica de tabaco 17.
Seria o que hoje chamamos eufemisticamente de conflito de interesses.
Mas em 1950
Richard Doll e Austin B Hill, dois pesquisadores ingleses, conduziram o
primeiro estudo retrospectivo na área de medicina, associando câncer do pulmão ao
hábito de fumar 18. Eles perguntaram os hábitos de fumar dos 649
pacientes que tinham câncer do pulmão e os hábitos de fumar de outros 649
pacientes internados por outros motivos no mesmo hospital. Não foi possível estimar riscos porque os fatos
já haviam acontecido (probabilidades referem-se a eventos futuros – nunca a
eventos do passado). Mas os pesquisadores verificaram que a chance de
ter câncer de pulmão é 14 vezes maior para fumantes do que para não fumantes,
ou seja, para cada 14 fumantes com câncer de pulmão, há um não fumante na mesma
condição.
Esse estudo
não é convincente porque se baseou em uma amostra pequena e é retrospectivo.
Mas em 1956 Richard Doll e Austin B Hill conduziram o primeiro estudo coorte 19.
Para saber se fumantes têm maior risco de ter câncer do pulmão do que quem não
fuma, enviaram um questionário para aproximadamente sessenta mil médicos do
Reino Unido perguntando sobre seus dados demográficos (nome, endereço, sexo,
idade etc.) e os hábitos de fumar deles próprios. Receberam aproximadamente
quarenta mil respostas. Os pesquisadores acompanharam a sobrevivência dos
médicos durante 53 meses, por meio de um registro geral. Entre as pessoas que
tinham o hábito de fumar, ocorreram mais mortes por câncer no pulmão.
Os estudos de Doll e Hill não “provam” que
fumar é determinante para câncer de pulmão, mas são excelentes indicadores de
que o tabagismo leva a esse desfecho. De qualquer forma, com base em muitos
outros estudos, sabemos hoje que fumar é o fator de risco mais importante para o
câncer de pulmão, embora existam outros fatores (inalação de certos agentes
químicos, poluição do ar, doença pulmonar crônica, fatores genéticos e outros).
De qualquer
modo, forte correlação ou forte associação entre duas variáveis não descreve a maneira como as duas se relacionam. Não significa, portanto,
que uma cause a outra. A palavra “correlação” deveria remeter apenas ao
que significa o coeficiente de correlação calculado na estatística – é o grau da
variação conjunta de duas variáveis aleatórias. A pesquisa por associações estatísticas
entre variáveis é necessária – mas não se prova, rapidamente, relação de causa
e efeito, principalmente quando só são possíveis estudos observacionais. É
preciso grande quantidade de pesquisa, ao longo de um bom tempo.
Por exemplo, já se comprovou que a presença de
certos genes é determinante para certas doenças – como é o caso da
fenilcetonúria. No entanto, o genoma humano tem cerca de 27.000 genes. A
simples associação estatística entre a presença de um gene ou de uma sequência
deles com uma doença não é suficiente para estabelecer relação causal – a
associação estatística deixa espaço para o casual – além de outras explicações.
Para produzir evidências, são
necessárias muitas pesquisas e por muito tempo. Afinal, a suscetibilidade à maioria das doenças
comuns é multifatorial, isto é, as pessoas ficam ou não doentes em função de
fatores genéticos e de ambiente. Uma meta análise 20, que levantou
mais de 600 associações positivas relatadas entre a variação genética no DNA e
variação na susceptibilidade às doenças levou os autores a concluir que é
preciso mais cautela nesse assunto – às vezes, parece haver muita pressa para
publicar uns poucos dados.
O acaso faz parte de nossas vidas. Como coloca
o físico Mlodinow 21, “entender o papel do acaso em nossas vidas é um grande
desafio: embora as premissas do acaso estejam presentes no dia a dia, muitas
das consequências que advém dessas premissas não são intuitivas”. Muito do que pensamos que sabemos, não
sabemos: é wishfull thinking.
E convém lembrar que
muita lenha foi juntada na fogueira em que ardia o determinismo científico pelo
físico Werner Heisenberg quando, em 1926, afirmou que não se pode medir,
simultaneamente, tanto a posição como a velocidade de um elétron 22. Para
ver onde está o elétron, é preciso fazer incidir luz sobre ele. Mas a luz,
embora não nos pareça, é um fluxo de fótons. Os fótons não possuem massa, mas,
segundo a teoria quântica, transmitem força eletromagnética. E ao colidir com o elétron, os fótons imprimem velocidade a
ele. Então, quando iluminamos o elétron, ganhamos informação sobre sua
posição, mas perdemos a possibilidade de medir sua velocidade. É, portanto, luta
inglória buscar saber tanto a posição como a velocidade de um elétron em
determinado momento, embora exista uma relação matemática que, como mostrou Heisenberg,
permite saber o valor delas em conjunto. Então, quanto mais precisamente insistirmos
em medir a posição do elétron, menos precisamente saberemos sua
velocidade, e vice-versa. O que está explicado aqui é, digamos, um pouco
do que nós leigos podemos entender sobre o Princípio da Incerteza de
Heisenberg. Ficamos assim sabendo que não podemos determinar a velocidade e a
posição futuras de um elétron porque, para isso, seria preciso conhecer a
velocidade e a posição atuais – o que é impossível 23. Embora os
efeitos dos fótons sobre nós não tenham qualquer significância, a incerteza
também faz parte de nossas vidas: podemos saber agora onde estamos, mas não a velocidade
com que nos deslocamos.
Este mundo que tanto roda é muito
complicado. Como acreditava Thomas Kuhn, a mente humana talvez não seja, mesmo,
capaz de estruturar ideias que expliquem o mundo. As tentativas de explicação redundam
em tantos erros que logo precisam ser substituídas por novas tentativas, mais
engenhosas e perspicazes, mas que continuam sendo meras tentativas e serão, também,
substituídas por outras.
Em 1970 Kuhn 24 conceituou paradigma –
palavra muito usada hoje em dia – como “um conjunto inteiro de crenças,
valores, técnicas e tudo o mais que é compartilhado pelos membros de uma dada
comunidade”. Mais adiante, explicou que “paradigmas (são) soluções reais de
enigmas que, usadas como modelos ou exemplos, podem ser tratadas como regras
explícitas e assim servir de base para a solução dos demais enigmas da ciência
normal”. No entanto, quando um paradigma não consegue mais dar solução para os enigmas
novos, bons cientistas abandonam esse paradigma. Acontece então uma mudança de
paradigma – que Kuhn chamou de “revolução”.
A
estatística, que carrega dentro de si a matemática e a probabilidade, dominou a
ciência do século XX e entrou pelo século XXI exibindo todo seu potencial.
Entretanto, alguns cientistas consideram que o uso de estatística possa ser
apenas o substituto temporário para o determinismo científico que imperou até o
século XIX. Podemos
esperar então que a revolução estatística, como novo paradigma para o
determinismo, percorra seu caminho, mas seja substituída por outro paradigma.
Lembre-se
do problema de fazer pães seguindo uma
receita que produz pães com 500
gramas . Você pode controlar muitas causas de variação,
como usar apenas balanças de alta precisão, controlar a temperatura e a umidade
do forno e do ambiente, até usar robôs. A variação diminui, mas chegará ao zero
de variação? Em outras palavras,
queremos saber mais e queremos ter maior domínio sobre a natureza. Mas saberemos
tudo? E até que ponto isso seria bom?
A famosa frase de Einstein “Deus não joga dados”
sugere que o cientista estava descontente com a aparente aleatoriedade na natureza e talvez
achasse que a incerteza é apenas provisória. O fato é que nem tudo ocorre ao acaso como pensavam
os pré-socráticos e nem tudo está tão determinado como pensavam os
malthusianos. “O futuro a Deus pertence” diz o ditado popular ou, como brincou
Stephen Hawkings 25, “Deus não joga dados, mas tem umas cartas na manga...”
O fato
é que boa parte dos avanços científicos e tecnológicos que conseguimos
até agora estão fundamentados na matemática, na probabilidade, na estatística. Queiramos
ou não, estamos vivendo nesse paradigma. De qualquer modo, a ideia de que o
aleatório e a incerteza deixarão de nos afligir está muito além do nosso
horizonte. Não sei se isso explica nossos muitos erros. Não somos os paladinos
da razão. Nossas decisões são tomadas com um pé no passado. Decidimos hoje com
o conhecimento de ontem para o que faremos amanhã. E, muitas vezes, o inesperado
intervém sobre o comportamento humano. E o comportamento humano é, muitas vezes,
inesperado. Ou não?
...o tempo e o acaso lhes sucedem a
todos.
Eclesiastes, capítulo nº 9, versículo nº 11.
1. Hawking, S. Does God play
dice? Disponível em www.hawking.org.uk/does-god-play-dice.html
. Acesso em 20 de abril de 2015.
2.
Salsburg, D. Uma senhora toma chá: como a
estatística revolucionou a ciência do século XX. Tradução de José Maurício
Gradel. Rio de Janeiro, Zahar. 2009.p 24.
3.
Ehrhardt, G. The Not-so-Random Drunkard's Walk.
Journal of Statistics Education Volume 21, Number 2 .2013.
4.
Mlodinov. L. O Andar do bêbado. Rio de Janeiro.
Zahar. 2009. Tradução de Diego Alfaro, consultoria de Samuel Jurkiewicz.p.176.
5. Encyclopaedia Britannica, Inc.
2015 Disponível em www.britannica.com/EBchecked/.../Brownian-motion. Acesso em 20 de abril de
2015.
6.
Mlodinov L. O Andar do bêbado. Rio de Janeiro.
Zahar. Tradução de Diego Alfaro, consultoria de Samuel Jurkiewicz. 2009.
7.
Ehrhardt, G. The Not-so-Random Drunkard's Walk.
Journal of Statistics Education Volume 21, Number 2 .2013
8.
Lecture 1: Introduction to
Random Walks and Diffusion Scribe: Chris H. Rycroft (and Martin Z. Bazant)
Department of Mathematics, MIT. Disponível em ocw.mit.edu/courses/...random-walks...Acesso
em 22 de abril de 2015.
9.
Mlodinow, L. O Andar do bêbado. Rio de Janeiro.
Zahar.. Tradução de Diego Alfaro, consultoria de Samuel Jurkiewicz 2009. P. 178
10.
COX, J. F. R.A. Fisher: the life of a scientist. New York:
Wiley, 1978.
11. Gregor Mendel - Biography - Botanist, Scientist -
Biography www.biography.com/people/gregor-mendel-39282.
12.
Fisher,
R. A. Has Mendel’s work been rediscovered? Annals of Science 1, 1936.
P.115-137.
13. Novitski, CE. Revision of
Fisher's Analysis of Mendel's Garden Pea Experiments Genetics March
1, 2004 vol. 166 no. 3 1139-1140
14. Mlodnow,
L. O Andar do bêbado. Rio de Janeiro. Zahar. 2009. Tradução de Diego Alfaro,
consultoria de Samuel Jurkiewicz p.153
15. Yoshioka, A. Use of randomisation in the Medical Research
Council's clinical trial of streptomycin in pulmonary tuberculosis in the
1940s. BMJ 1998;317:1220
16. Salsburg, D. Uma senhora toma chá: como a
estatística revolucionou a ciência do século XX. Tradução de José Maurício
Gradel. Rio de Janeiro, Zahar. 2009 p. 158.
17. Salsburg, D. Uma senhora toma chá: como a
estatística revolucionou a ciência do século XX. Tradução de José Maurício
Gradel. Rio de Janeiro, Zahar. 2009 p. 158.
18. Feinstein, A. R. Clinical
Biostatistics Saint Louis, Mosby, 1977. P 148.
19. DOLL, R. e HILL, A.B. Smoking and carcinoma of the lung. Br Med J 1950
(2): 739-48.
20. Hirschhorn,
JN; Lohmueller,K; Byrne, E; Hirschhorn,
K. A comprehensive review of genetic association studies Genetics in
Medicine (2002) 4, 45–61.
21. Mlodinow,
L. O andar do bêbado. Rio de
Janeiro: Zahar, 2009.
22. Hawking, S. Does God play
dice? Disponível em www.hawking.org.uk/does-god-play-dice.html
. Acesso em 20 de abril de 2015.
23. Explicação didática do Princípio da Incerteza de Karl Heinsenberg.
Disponível em www.youtube.com/watch?v=Z7wyTd1pLc0.
Acesso em 17 de abril de 2015.
24.
Kuhn, T S. The
Structure of Scientific Revolutions. 2nd Ed., Univ. of Chicago Press,
Chicago & London, 1970, p.175.
25. Hawking, S. Does God play
dice? Disponível em www.hawking.org.uk/does-god-play-dice.html
. Acesso em 20 de abril de 2015.