Monday, December 03, 2012

Interpretando gráficos: onset e offset


        Boa parte da informação de que dispomos é dada na forma numérica, ou seja, de estatísticas: prévias eleitorais, pesquisa de mercado, pesquisa de opinião pública, cotações na bolsa de valores, rentabilidade das empresas, eficiência de serviços. Então, no mundo de hoje, é preciso saber interpretar "números". Só que a informação numérica não atinge todas as pessoas porque interpretar números exige algum treino em Matemática.

       Na área das ciências da saúde, o uso de estatística, principalmente em revistas internacionais, é praticamente obrigatório. Mas o ensino de Matemática e Estatística, no Brasil, é ínfimo. Como melhorar isso? Veja a Tabela 1: você saberia apresentar os dados em gráfico e discutir?  

Tabela 1- Tempo, medido em horas após a administração de determinada droga a um voluntário e a concentração, em microgramas por mililitro, da droga no sangue desse voluntário, em cada tempo
Dizem que uma figura vale por mil palavras. E as estatísticas são mais palatáveis quando são apresentadas na forma de gráficos. A apresentação gráfica não é rigorosa, mas é muito clara. Veja como se faz o gráfico de linhas com os dados da Tabela 1.
         
        É preciso estar alerta quando se olha um gráfico, que precisam apresentas escalas e unidades de medida. Sem escalas e sem saber como os dados foram medidos, aumentos irrisórios podem parecer "aumentos evidentes".  Ainda, os gráficos de linhas devem ter aparência mais ou menos retangular. Cuidado com os gráficos muito espichados, no sentido vertical ou horizontal, como os mostrados abaixo: eles foram feitos com os mesmos dados da Tabela 1, mas não dão a impressão certa. 

        Para entender o que está aqui apresentado, saiba que a agregação de plaquetas (fragmentos de células que compõem o sangue) é parte da sequência de eventos que conduzem à formação de coágulos de sangue que podem causar infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC). Foi conduzido um estudo1 para comparar a velocidade de ação de duas drogas, ticagrelor e clopidogrel, indicadas para prevenir a formação de coágulos.

            Os participantes do estudo eram voluntários. Todos tinham doença arterial coronariana. Foram divididos ao acaso em três grupos:
1.             Grupo de ticagrelor: 57 participantes
2.             Grupo de clopidogrel: 54 participantes
3.             Grupo de placebo: 12 participantes

       O estudo teve duração de 53 dias. A inibição de agregação das plaquetas (IPA%) foi aferida várias vezes em todos os participantes do estudo nas primeiras 24 horas após a administração das drogas (período denominado onset).

     Decorridas 24 horas, os pacientes continuaram recebendo as drogas por 42 dias (6 semanas), mas não foi feita aferição da inibição de agregação das plaquetas (IPA%).

         Decorridos 42 dias após o primeiro dia, a administração das drogas foi suspensa. Ocorreu então a eliminação das drogas no organismo (período denominado offset). A inibição de agregação das plaquetas (IPA%) foi aferida várias vezes em todos os participantes do estudo durante 10 dias.

        Agora, olhe o gráfico com cuidado: o que você vê? Se você não estiver atento para o fato de que durante seis semanas não foram coletados dados, pode considerar, por exemplo, que ocorreu uma “queda” na variável entre a 24ª hora do primeiro período (onset) e a zero hora do período de eliminação (offset). O leitor desavisado poderia até buscar “explicações” para a “queda“ que não houve como, por exemplo, a de que os voluntários não tomaram seus remédios! Ouvi de um médico essa “explicação”.

        Mas ocorreram seis semanas, ou seja, 6 x 7 = 42 dias entre as duas medições de IPA%, como escrito na figura. Olhe o gráfico: de zero a 24 horas ocorreu um dia. Então entre os dois traços ocorreram 42 dias. E nesse período não houve medições.

       Gráficos constituem excelente forma de apresentar dados, mas também podem enganar os incautos. Eu confio em você para não enganar os outros, mas cuidado quando examina os gráficos feitos por outros!

REFERÊNCIA

Paul A. Gurbel, Kevin P. Bliden, Kathleen Butler, Udaya S. Tantry, Tania Gesheff, Cheryl Wei, Renli Teng, Mark J. Antonino, Shankar B. Patil, Arun Karunakaran, Dean J. Kereiakes, Cordel, Parris. The ONSET/OFFSET Study:Effects of Ticagrelor Versus Clopidogrel in Patients With Stable Coronary Artery Disease Assessment of the ONSET and OFFSET of the Antiplatelet. Circulation. 2009; 120: 2577-2585.

Friday, September 14, 2012

O que é p-valor?

     

  A grande maioria das pesquisas é feita com base em amostras, mas os pesquisadores querem generalizar seus achados para a população de onde as amostras foram retiradas. Isto pode ser feito, desde que a generalização esteja fundamentada em teste de hipóteses. 

     Para fazer o teste, é preciso transformar a pergunta que motivou a pesquisa em duas hipóteses que se contradizem. A ideia fica bem entendida com um exemplo clássico na literatura de estatística. Imagine que um réu está sendo chamado a juízo para responder por ação cível ou por crime. Quais são as hipóteses possíveis? 

·         O réu é inocente.

·         O réu é culpado.

     A primeira hipótese é referida na literatura de Estatística com hipótese da nulidade e a segunda como hipótese alternativa.

     Para tomar decisão por uma das hipóteses, é preciso fazer uma análise dos dados disponíveis que são apenas parte dos fatos, ou seja, uma amostra. No caso do exemplo, quais são as decisões possíveis?

·         Considerar o réu culpado.

·         Considerar o réu inocente.

     A decisão tomada - qualquer que seja - pode estar errada porque quem julga conhece apenas parte dos fatos. Quais são os erros possíveis?

·         Dizer que o réu é culpado, quando é inocente.

·         Dizer que o réu é inocente, quando é culpado.

     É importante ter em mente que toda inferência está sujeita a erro.  A conclusão se baseia em apenas uma amostra do universo e – por puro azar – podem ter sido observada uma amostra pouco representativa desse universo. Definem-se, para a Inferência Estatística, dois tipos de erro. 

 

·         Erro tipo I: rejeitar a hipótese da nulidade quando essa hipótese é verdadeira

·         Erro tipo II: não rejeitar a hipótese da nulidade quando essa hipótese é falsa.

 

     No caso do exemplo, considera-se mais grave o erro de punir um inocente do que deixar impune um culpado. Na pesquisa científica também se considera mais grave o erro de rejeitar a hipótese da nulidade quando ela é verdadeira. Por quê? Porque isso significa mudar padrões e comportamentos sem necessidade (só porque um centro de pesquisas, apressadamente, apontou como verdadeira uma diferença que não existe). Veja alguns exemplos de erro tipo I, que podem ocorrer na pesquisa científica:

·         Dizer que uma nova droga é melhor que a tradicional, quando isso não for verdade.

·         Dizer que uma dieta aumenta a longevidade, quando isso não for verdade.

·         Dizer que um produto é cancerígeno, quando isso não for verdade.

·         Dizer que uma vitamina faz atletas, quando isso não for verdade.

 

     O teste de hipóteses não elimina a probabilidade de erro, mas fornece o p-valor (valor de probabilidade) que permite decidir se existe evidência suficiente para rejeitar a hipótese da nulidade. O p-valor diz quão provável seria obter uma amostra tal qual a que foi obtida, quando a hipótese da nulidade é verdadeira.

     Os pesquisadores se sentem seguros para rejeitar a hipótese da nulidade (assumir que existe a diferença procurada) quando o p-valor é pequeno. Isto porque seria muito pouco provável chegar ao resultado obtido, se a diferença não existisse. Mas quem rejeita a hipótese da nulidade não tem certeza absoluta (não tem 100% de confiança) de que a decisão tomada está correta – sabe, apenas, que existe a probabilidade de erro. 

     Por convenção, se o p-valor for menor do que 0,05 (p < 0,05), conclui-se que a hipótese da nulidade deve ser rejeitada. É comum dizer, nos casos em que p < 0,05, que os resultados são estatisticamente significantes. Calcular o p-valor é extremamente difícil e isso só é feito, hoje em dia, usando programas de computador. 

 




Thursday, August 02, 2012

Pesquisas de opinião

           

  Quando se fala em pesquisa, a maioria das pessoas pensa nas pesquisas feitas para aferir a intenção de votos, ou seja, nas prévias eleitorais exaustivamente anunciadas e discutidas nos períodos que antecedem qualquer eleição. Essas pesquisas sempre enfrentam questionamento. 


Muitos acham que a maioria dos eleitores não consegue ter opinião própria sobre os candidatos devido ao constante bombardeio das estatísticas. Segundo alguns, o cidadão comum vota no candidato com mais chance de vencer, ou seja, escolhe “votar certo”, ou “votar para ganhar”. A literatura da área já deu até nome para essa possibilidade: é o efeito bandwagon (que significa carro-chefe). 

 

  Há também quem argumente que alguns eleitores, francamente decepcionados com os políticos, votam no candidato com menor chance de vencer – para não ter responsabilidade no que der e vier. Seria o efeito underdog (que significa “lanterninha”). 

 

  Outros levantam a teoria do voto tático ou voto estratégico, conhecido no Brasil como “voto útil”. Essas pessoas acham que se o eleitor perceber, pelos resultados das pesquisas, que o candidato que rejeita deve vencer as eleições, vota no segundo colocado, para diminuir a chance de o candidato que rejeita. 

 

  Mas é bem provável que o eleitor brasileiro coloque a satisfação de suas necessidades básicas em primeiro lugar, na hora de escolher seu candidato1. Na expressão dos americanos para a maneira de, eles próprios, escolherem seus governantes, eleitores “votam com a mão no bolso”2 – e não com a cabeça ou o coração. 

 

  De qualquer forma, prévias eleitorais têm, hoje, confiabilidade e validade. É verdade que, no Brasil, houve vários erros antes da década de 90. Por exemplo, em 1974 houve eleições para senador da República. As prévias eleitorais mostravam muito mais votos para os candidatos do governo do que eles realmente receberam. Dada à ditadura militar da época, o erro possivelmente se explica pelo fato de as pessoas entrevistadas terem tido medo de dizer que pretendiam votar contra o governo. 

 

  Também ocorreram muitos erros nas prévias feitas por ocasião das eleições para as prefeituras das capitais, em 1985. Tais erros provavelmente se explicam pela grande quantidade de indecisos que apareciam em todas as prévias – talvez porque os candidatos não fossem muito conhecidos. Não tem sentido prever o resultado de uma eleição pressupondo que os votos dos indecisos e dos não querem opinar se distribuirão, pelos candidatos, da mesma forma como o daqueles que, por ocasião das prévias, já se decidiram. 

 

  Hoje, porém, a média de acerto dos quatro grandes institutos brasileiros de pesquisa (Datafolha, Ipec, Ipesp, Quaest) está em padrões internacionais: é superior a 90%3. Portanto, acredite nas pesquisas, mesmo sabendo que elas podem, eventualmente, estar erradas... 

 

           Referências

 

Almeida, C. A. A cabeça do eleitor. Rio de Janeiro: Record, 2008. 

 

Tradução livre da expressão “Americans vote with their wallets”. 

 

Haag, C. Meu reino por um ponto a mais. Pesquisa FAPESP. 127. Setembro de 2006.