Professora
de Bioestatística há longos anos, fui confrontada, algumas vezes, com a
pergunta: “Você acredita nas pesquisas eleitorais?”. Ao dizer que acredito –
feitas as ressalvas que explico – escuto o comentário: “ Eu não acredito,
porque nunca fui entrevistado”.
Vamos
então trazer aqui outra questão. Qual é a probabilidade de você ganhar na
Mega-Sena, escolhendo na cartela apenas seis números, de 1 a 60? Você sabe que
receberá o prêmio máximo se os seis números escolhidos por você forem
sorteados. Para uma aposta de 6 números, existem 50.063.860 combinações
possíveis. Assim, a chance de vencer na Mega-Sena com uma única aposta é de 1
em 50.063.860, ou seja, a probabilidade de você ganhar com uma única
aposta é aproximadamente 0,000002%. (1)
Mas
vamos voltar ao nosso problema. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral
(2), o número de eleitoras e eleitores aptos a votar na próxima eleição é
156.454.011. Então, se um instituto de pesquisa quisesse fazer uma amostragem
aleatória simples do universo de pessoas aptas a votar no Brasil,
deveria colocar todos os nomes dessas pessoas em um globo giratório e
sortear uma amostra. Qual seria a chance de você ser sorteado? 1 em
156.454.011, ou seja, a probabilidade de você ser sorteado é 0,000000639%.
Claro, usar um globo giratório de sorteio é inexequível, mas, em tese, isso
poderia ser feito em um supercomputador. De qualquer modo, a chance de você ser
sorteado para a entrevista seria menor do que a de ganhar na Mega-Sena.
Mas
há outro obstáculo – além da necessidade de um supercomputador – para quem
quiser fazer uma amostragem aleatória simples das eleitoras e eleitores aptos a
votar na próxima eleição. Digamos que o instituto queira coletar uma amostra de
2.500 pessoas. As pessoas sorteadas podem estar distribuídas por todo o Brasil.
Também podem ser sorteadas eleitoras e eleitores fora do Brasil. Como localizar
todas essas pessoas, obter respostas, analisar e apresentar os resultados em
uma semana? Os contratempos serão muitos, mas ainda há outro: podem ser
sorteados muito mais homens do que mulheres (ou o contrário) muito mais velhos
do que jovens (ou o contrário). Enfim, a amostra obtida pode não ser
representativa do universo. Isso poderia ser resolvido usando uma amostra
aleatória estratificada, mas o trabalho ficaria ainda mais difícil.
Os institutos que fazem pesquisas eleitorais adotam, então, outras formas de amostragem, mais fáceis de fazer e mais baratas, mas nem por isso menos eficazes. Vamos nos ater à metodologia do Datafolha, que mais tem apresentado pesquisas. Esse instituto toma uma amostra aleatória proporcional ao tamanho das cidades, de um total de 4.800 cidades brasileiras que constam do banco de dados do instituto. Depois sorteia os pontos onde ficarão os entrevistadores, em cada cidade amostrada. São 70.000 pontos demarcados pelo instituto nessas cidades, antes do início das pesquisas e guardados em um banco de dados. Os entrevistadores então se posicionam nos pontos sorteados de cada cidade – os chamados pontos de fluxo – que não são, necessariamente, pontos de grande circulação de pessoas – e procuram entrevistar as pessoas que por ali transitam.
A amostragem, agora, é por
cotas. Devem ser entrevistadas 53% de mulheres (das pessoas aptas a votar,
aproximadamente 53% são mulheres) e obedecer às quotas por faixas de idade dos
aptos a votar: 14% com idade entre 16 e 24 anos, 20% de 25 a 34 anos, 21% de 35 a 44
anos, 24% de 45 a 59 anos, e 21% com 60 anos ou mais. Cada entrevistador tem sua cota para preencher: por exemplo, 10
homens entre 26 e 24 anos, 5 mulheres com mais de 60 anos etc. Somadas as cotas
de cada entrevistador, é obtida a distribuição de aptos a votar. Se você for
entrevistado, será perguntado sobre sexo e idade (para o entrevistador saber se
você corresponde à cota que deve preencher), sobre renda, escolaridade, religião.
É o entrevistador que convida você a ser entrevistado (se ele presumir que você
pertence a uma das cotas que ele deve preencher).
Em uma amostragem aleatória simples, a probabilidade de você ser
escolhido para ser entrevistado é pequena. Mas com a metodologia adotada pelos
institutos de pesquisa, suas chances de ser amostrado podem se reduzir a zero.
Por exemplo, se você mora no exterior, não tem chance de ser entrevistado. Se
você mora em condomínio fechado e só circula de carro fora do condomínio,
também não será entrevistado (os pesquisadores do IBGE, que é um órgão
governamental, têm muita dificuldade de entrar em condomínios fechados de
luxo). Se você circula nas ruas e passa pelos pontos onde estão os
entrevistadores, mas não fala com desconhecidos, também não será entrevistado
(será um não respondente). Se você mora na zona rural e dificilmente vai à
cidade, tem baixíssima chance de ser entrevistado. E também não são
entrevistadas pessoas que não saem de casa porque são/estão doentes, cuidam de
pessoas da família ou outros motivos. Mas se você for entrevistado, suas
respostas serão anotadas em um tablet.
Importante - para ter uma visão crítica das pesquisas eleitorais - é
saber que a população alvo, constituída por todas as eleitoras
e todos os eleitores aptos a votar na
próxima eleição não é atingida. A chamada população configurada, ou
seja, a população que pode ser amostrada, é constituída por pessoas que
caminham pelas ruas e passam por qualquer um dos pontos de fluxo sorteado pelo
instituto de pesquisa em qualquer uma das cidades sorteadas, do conjunto de
pontos e cidades brasileiras previamente escolhidas pelo instituto. É razoável
imaginar que as cidades que constam do banco de dados do instituto sejam de
melhor acesso dentre as cidades brasileiras e os pontos de fluxo tenham sido
demarcados em lugares relativamente seguros. Isso está certo? perguntam
alguns. É o que se pode fazer. Claro que as pesquisas eleitorais mostram
tendências, mas não podem ser esmiuçadas à exaustão. São amostras da população
configurada em um certo momento e – mesmo para essa população – já há muitos
erros possíveis de amostragem.
Outra fonte de erro é a dos não-respondentes.
Considera-se, em geral, que se o percentual de não-respondentes atingir cerca
de 30% das pessoas abordadas em entrevista de rua, a pesquisa não é confiável.
Em uma eleição polarizada como a de 2022 no Brasil, é de se esperar – dado
que uma das partes envolvida no pleito desdenha pesquisas (ou melhor, afronta a
ciência) –, é razoável esperar que seus correligionários
também "não percam tempo" respondendo questões. Isso cria um viés em
favor dos outros candidatos.
E eu me lembro que – há muito tempo atrás – um diretor de
pesquisa disse, em entrevista, que os erros se deviam à
"volatibilidade" do voto feminino. La donna e mobile?
Pois é, mas já vi mulheres extremamente aguerridas, defendendo os interesses de
seus maridos nos resultados das eleições. E tenho, ainda, um outro palpite, de
uma outra variável que talvez tenha efeito sobre o resultado das eleições: as
condições meteorológicas. Se chover, mais ricos votarão - porque não irão para
suas casas de praia ou suas estâncias no interior e menos pobres votarão,
porque será difícil transitar. Se tivermos um tempo de sol na maior parte do
Brasil, acontecerá o contrário
À medida que as eleições se aproximam, há mais
chance de as prévias acertarem os resultados, porque os indecisos estarão em
menor número. Mas em eleição muito polarizada, também existe a chance de mais
pessoas não declararem o voto por se sentirem inseguras devido os conflitos, as
desavenças, as disputas, as ameaças.
Acredite nas pesquisas
eleitorais, mas elas são um retrato do momento. Um fato novo pode
modificar os resultados previstos. Há uma margem de erro, que diminui com o
aumento da amostra. Ainda, comentaristas de pesquisas torturam os dados em
excesso, tentando tirar deles mais do que a verdade que eles contem. Então,
você deve filtrar a opinião dos comentaristas, usando seu arsenal de valores,
convicções, ideologia. Eu acredito que as prévias eleitorais (claro, elas
também dependem da confiabilidade do instituto de pesquisa que as apresenta),
mas análises de aderência, feitas a posteriori mostram que são bastante
verossímeis.
🔔 Nota: As pesquisas eleitorais são feitas por diversos institutos: Datafolha,
Ipec (Ibope), Ipesp, FSB, Quaest e outros (3).
Referências
(1)"Chances
de ganhar na Mega-Sena" em:
https://brasilescola.uol.com.br/matematica/chances-ganhar-na-mega-sena.htm