O planejamento da amostragem,
o delineamento de ensaios, a análise de dados e a interpretação de estatísticas
exigem competência profissional. Por conta disso, os pesquisadores das mais
diferentes áreas buscam consultoria estatística, uma vez que Estatística
é a ciência que fornece os princípios e a metodologia para o planejamento da coleta
de dados, a organização, o resumo e a análise de resultados. A consultoria
estatística exige, porém, não apenas conhecimento na área, mas também habilidade
do consultor para estabelecer bom relacionamento com outros profissionais.
A quantidade de atenção dada
pelo consultor de estatística a um pesquisador depende de diversos fatores,
tais como competência profissional do consultor, propostas alternativas de
trabalho, conhecimento do pesquisador sobre estatística, status profissional do pesquisador, política do ambiente de
trabalho e simpatia e sentimentos pessoais. A ideia de que a interação pessoal
não ocorre em ciência e que o consultor é um indivíduo calmo e reservado não
confere com a realidade. A consultoria estatística é um caos: trabalha-se sob a
pressão de tempo, da falta de verba, da política do ambiente de trabalho e da
discriminação profissional.
Entretanto, a melhoria do status profissional do estatístico nas
áreas da saúde depende tanto de o estatístico aprender a dar consultoria como
de o pesquisador aprender metodologia científica. O estatístico precisa
entender o problema e – para isso – os protocolos de pesquisa precisam estar ser
feitos. No entanto, os estatísticos começam a dar consultoria sem treinamento
formal. No curso de Estatística, o aluno interage pouco com profissionais de
outras áreas. O enfoque é a teoria, embora a maioria dos estatísticos trabalhe
em coleta e análise de dados. No caso dos profissionais das áreas da saúde, o
problema é o fato de eles assistirem aulas de Bioestatística no início do
curso, em salas superlotadas. O professor então ensina a usar um programa de
computador – porque isso traz o interesse dos alunos – e não ensina Estatística.
De qualquer forma, muitos
anos de atividade convencem os consultores de estatística de que é raro reunir,
numa única entrevista, um problema interessante, um pesquisador inteligente e
disposto a estudar e uma situação favorável de trabalho. No entanto, quando
essas três condições estão ausentes, fica difícil lidar com a situação. Alguns
percalços são, porém, bastante comuns.
Existem pesquisadores que
esperam demais do consultor de estatística: eles querem que o consultor se
entusiasme pelo trabalho deles, repita explicações várias vezes porque eles
“não são bons na matemática”, tenha tempo para eles sempre que precisarem. Por
outro lado, existem consultores que fazem de menos: apenas recebem os dados já digitados
em planilha e depois apresentam as estatísticas com a informação de que interpretações
correm por conta do interessado. Essa atitude é hostil, mas pode ter sido deflagrada
pelo fato de o estatístico ter convivido com a apropriação indevida de seu
trabalho.
É comum o uso do trabalho
de profissional de Estatística sem referenciar o nome do profissional. Basta
olhar algumas revistas especializadas e procurar pelos artigos que expõem análises
estatísticas sofisticadas. Grande parte desses artigos não dá o nome de quem
fez a análise, o nome do programa de computador utilizado ou o título de um
livro didático que exponha a técnica utilizada. Quando perguntados sobre o
autor das análises estatísticas, os autores alegam que o serviço de estatística
foi pago – e esquecem que eles também são pagos para trabalhar. É preciso,
portanto, delimitar o que é serviço de consultor e o que é serviço de autor. Todo
estatístico, no entanto, sabe que, vez por outra, ocorrem apropriações indevidas
de seu trabalho. Isso sempre traz frustração, mas a reação hostil não ajuda.
Dadas essas considerações,
parece claro que a relação de trabalho deva ser negociada desde o início.
Entretanto, não é claro quando o estatístico deva ser coautor do trabalho. Há
exageros dos dois lados. Alguns estatísticos exigem coautoria de trabalhos em
que somente sugeriram gráficos. Isso é inaceitável porque, em tais casos, o
trabalho do estatístico é de professor – não de coautor do trabalho. Outras
vezes, o nome do estatístico não é sequer citado em trabalhos que exibem, por
exemplo, o ajuste de uma função logística passo a passo para dados de resposta
quântica, com testes e intervalos de confiança para as estimativas dos
parâmetros.
A sugestão, aqui, é de que
estatísticas mais comuns, no nível de compreensão e até de execução dos
pesquisadores, dispensem a coautoria de estatístico. Isso não dispensa, contudo,
os pesquisadores de esclarecer, em nota de rodapé, que houve consultoria. Por
outro lado, pesquisadores e editores devem saber que análises estatísticas mais
técnicas – como, por exemplo, uma análise de variância de ensaio conduzido em
parcelas subdivididas – exige referência ao nome do profissional que fez a
análise, o nome do programa de computador utilizado e uma referência de onde se
encontram informações sobre esse tipo de análise. Trabalhos com estatísticas
mais especializadas, seja no planejamento ou na análise e interpretação dos
resultados, exigem estatístico como coautor.
Por razões políticas e
institucionais, o estatístico pode não se sentir à vontade para recusar
consultoria a um trabalho, mesmo que tenha restrições à qualidade da pesquisa.
A defesa do estatístico, aqui, é a mesma do médico que tem um cliente que, por
exemplo, já passou da meia idade, é gordo, hipertenso, fuma, bebe, come demais
e diz não ter tempo para fazer exercícios. Recorrer à tática do amedrontamento
não ajuda, porque isso só irá gerar tensão e, consequentemente, mais comida,
mais fumo, mais bebida. A única opção do médico é assistir o paciente.
A sugestão, aqui, é a de
se o estatístico for consultado sobre pesquisas menores, não recuse ajuda.
Aliás, a pesquisa será feita de qualquer forma. O estatístico, todavia, deve
agir com coerência, isto é, não deve usar técnicas sofisticadas de análise que
serviriam apenas para dar aparência de mérito. É razoável optar por análise
descritiva e alguns gráficos, que em geral estão no nível de compreensão do
interessado e de seu público.
Um estatístico pode entrar
em conflitos sérios com administradores que estejam mais preocupados com
trabalhos que mostrem resultados positivos, tragam ganho imediato e sejam
publicados do que com trabalhos que tragam benefício para o público. Portanto,
o estatístico que está resolvido a trabalhar dentro de parâmetros éticos
arrisca-se a ser impopular. Mais ainda, pode ficar em situação extremamente
vulnerável porque não existe organização formal que proteja o profissional de
estatística. Também não se pode contar com a ajuda de colegas, quando se tem
problemas de trabalho devido o próprio trabalho.
Mas como o estatístico
deve proceder diante do pesquisador que tem seu ponto de vista firmado,
argumentação racional, mas seus dados apontam para outra direção? Seria
razoável “ajudar” a análise estatística? A verdade do pesquisador não seria
mais importante do que dados que não são conclusivos? Do meu ponto de vista não
é razoável “ajudar” a análise. O certo é buscar o teste indicado – não o teste
que dê significância. É preciso que haja transparência, ou seja, explicação
para a escolha das técnicas utilizadas.
Atualmente, um médico pode
pedir uma série de exames radiológicos e laboratoriais em lugar de ouvir o
paciente e pensar. O consultor de estatística também pode “jogar” os dados no
computador, em lugar de ouvir o pesquisador e pensar. Dadas às distorções
existentes, é preciso buscar a Ética para discutir os muitos problemas que, em
parte, decorrem da tecnologia e da pressa em se sobrepujar.
No que se refere aos
consultores de estatística, parece razoável considerar três pontos discutidos
aqui: primeiro, a coautoria de estatístico em trabalhos que tenham estatística
não-usual na área do pesquisador é necessária; segundo, o consultor deve colaborar
com trabalhos menores e, sempre que se sentir capaz, incentivar e ajudar para a
melhoria da qualidade do trabalho; terceiro, um consultor nunca pode manipular
resultados em função dos desejos do pesquisador, mas deve mostrar a ele como
apresentar a verdade que os dados contêm.