Introdução
Mostrar uma
moça bonita recomendando um cosmético, uma roupa ou um alimento não prova
absolutamente nada. Não é o produto que a tornou bonita — é justamente o fato
de ser bonita que fez com que fosse escolhida para a propaganda.
Propaganda e exagero
Comparações
enganosas são comuns, principalmente em anúncios de produtos de beleza. “Eu era
assim… e fiquei assim depois de usar o maravilhoso xampu X”, diz a modelo. Mas
pare e pense: quanto da transformação se deve ao xampu, e quanto ao
cabeleireiro, maquiador, figurino, iluminação, fotógrafo?
A propaganda apela para o exagero — exalta as virtudes, omite as limitações. E
muitas vezes, mistura-se ao discurso científico para emprestar uma aparência de
verdade às promessas.
Quando a ciência é distorcida
A pandemia
da COVID-19 foi exemplo alarmante de manipulação de evidências. Cloroquina e
hidroxicloroquina mostraram inibição in vitro do SARS-CoV-2, mas se revelaram
ineficazes em humanos. Mesmo assim, foram promovidas irresponsavelmente, até
por autoridades.
O mesmo ocorreu com a ivermectina. Uma metanálise de ensaios clínicos
randomizados mostrou que ela não reduziu mortalidade, tempo de internação ou
carga viral. Mesmo assim, ganhou notoriedade pela propaganda.
A ilusão dos números fora de contexto
Uma
campanha publicitária da Colgate, no Reino Unido (2007), dizia: “mais de 80%
dos dentistas recomendam Colgate”. O público entendeu: '80% preferem Colgate'.
Mas a realidade é que os dentistas podiam citar várias marcas — e Colgate foi
uma delas.
O caso do chiclete Den-Den
Nos anos
1980, surgiu no Brasil o chiclete Den-Den. A embalagem prometia: “ajuda a
evitar a cárie... previne 80% das cáries”. O produto continha gluconato de
clorexidina, mas em quantidade mínima (0,02 mg por tablete), e era composto em
cerca de 70% por sacarose.
Estudos mostraram que o Den-Den não apresentou efeito anticariogênico nem
antiplaca significativo (Neder et al., 1981). Em 1984, sua comercialização foi
proibida. O editorial da Revista ABO ironizou o caso: *O sorriso do chiclete*.
Ceticismo e bom senso
Esses casos
mostram que precisamos cultivar o ceticismo saudável — sem paranoia. Não somos
paladinos da razão: decidimos hoje com o conhecimento de ontem, tentando
construir o amanhã.
A regra 4W-2H
Use a regra
4W-2H ao avaliar informações:
• Who? Quem disse isso tem competência?
• Where? Onde foram obtidos os dados?
• When? Quando a pesquisa foi feita?
• What? O que foi comprovado?
• How? Como foi feito o estudo?
• How many? Quantos dados sustentam a conclusão?
Propaganda x Publicidade
A
propaganda comercial busca provocar reação emocional — não racional. Por isso,
é mais correto chamá-la de publicidade. Mas o termo propaganda não é
necessariamente negativo. Campanhas de vacinação, censos e ações beneficentes
são exemplos de propaganda positiva.
Considerações finais
Como disse
Mark Twain: “muitas coisas pequenas se tornaram grandes graças ao tipo certo de
publicidade”. Basta saber distinguir a boa da má propaganda — e não se deixar
levar por “provas” que não provam nada.
Fontes e leituras adicionais
·
World
Health Organization. Therapeutics and
COVID-19: Living guideline. WHO, 2021.
·
Roman,
Y. et al. Ivermectin for the treatment of
COVID-19: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials.
Clinical Infectious Diseases, 2021.
·
ASA
(Advertising Standards Authority). Colgate
advertisement ruling, UK, 2007.
·
Neder,
A.C. et al. Chiclete anticárie (Nota prévia). Vida Odontológica, Vila
Franca de Xirpa, Portugal. 8: p. 404, 1981.
·
Editorial: O sorriso do chiclete. Revista da
Associação Brasileira de Odontologia (ABO Nac.), n. 2, fev./mar. 1994.
·
Vieira, S. Prevenção
da cárie: a ética e a metodologia. Blog pessoal.
·
Twain,
M. The Tragedy of Pudd'nhead Wilson,
1894.
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