Thursday, July 31, 2025

Nem tudo o que reluz é ciência: a propaganda, a estatística e o bom senso

 

Introdução

Mostrar uma moça bonita recomendando um cosmético, uma roupa ou um alimento não prova absolutamente nada. Não é o produto que a tornou bonita — é justamente o fato de ser bonita que fez com que fosse escolhida para a propaganda.

Propaganda e exagero

Comparações enganosas são comuns, principalmente em anúncios de produtos de beleza. “Eu era assim… e fiquei assim depois de usar o maravilhoso xampu X”, diz a modelo. Mas pare e pense: quanto da transformação se deve ao xampu, e quanto ao cabeleireiro, maquiador, figurino, iluminação, fotógrafo?

A propaganda apela para o exagero — exalta as virtudes, omite as limitações. E muitas vezes, mistura-se ao discurso científico para emprestar uma aparência de verdade às promessas.

Quando a ciência é distorcida

A pandemia da COVID-19 foi exemplo alarmante de manipulação de evidências. Cloroquina e hidroxicloroquina mostraram inibição in vitro do SARS-CoV-2, mas se revelaram ineficazes em humanos. Mesmo assim, foram promovidas irresponsavelmente, até por autoridades.

O mesmo ocorreu com a ivermectina. Uma metanálise de ensaios clínicos randomizados mostrou que ela não reduziu mortalidade, tempo de internação ou carga viral. Mesmo assim, ganhou notoriedade pela propaganda.

A ilusão dos números fora de contexto

Uma campanha publicitária da Colgate, no Reino Unido (2007), dizia: “mais de 80% dos dentistas recomendam Colgate”. O público entendeu: '80% preferem Colgate'. Mas a realidade é que os dentistas podiam citar várias marcas — e Colgate foi uma delas.

O caso do chiclete Den-Den

Nos anos 1980, surgiu no Brasil o chiclete Den-Den. A embalagem prometia: “ajuda a evitar a cárie... previne 80% das cáries”. O produto continha gluconato de clorexidina, mas em quantidade mínima (0,02 mg por tablete), e era composto em cerca de 70% por sacarose.

Estudos mostraram que o Den-Den não apresentou efeito anticariogênico nem antiplaca significativo (Neder et al., 1981). Em 1984, sua comercialização foi proibida. O editorial da Revista ABO ironizou o caso: *O sorriso do chiclete*.

Ceticismo e bom senso

Esses casos mostram que precisamos cultivar o ceticismo saudável — sem paranoia. Não somos paladinos da razão: decidimos hoje com o conhecimento de ontem, tentando construir o amanhã.

A regra 4W-2H

Use a regra 4W-2H ao avaliar informações:
• Who? Quem disse isso tem competência?
• Where? Onde foram obtidos os dados?
• When? Quando a pesquisa foi feita?
• What? O que foi comprovado?
• How? Como foi feito o estudo?
• How many? Quantos dados sustentam a conclusão?

Propaganda x Publicidade

A propaganda comercial busca provocar reação emocional — não racional. Por isso, é mais correto chamá-la de publicidade. Mas o termo propaganda não é necessariamente negativo. Campanhas de vacinação, censos e ações beneficentes são exemplos de propaganda positiva.

Considerações finais

Como disse Mark Twain: “muitas coisas pequenas se tornaram grandes graças ao tipo certo de publicidade”. Basta saber distinguir a boa da má propaganda — e não se deixar levar por “provas” que não provam nada.

Fontes e leituras adicionais

·        World Health Organization. Therapeutics and COVID-19: Living guideline. WHO, 2021.

·        Roman, Y. et al. Ivermectin for the treatment of COVID-19: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Clinical Infectious Diseases, 2021.

·        ASA (Advertising Standards Authority). Colgate advertisement ruling, UK, 2007.

·        Neder, A.C. et al. Chiclete anticárie (Nota prévia). Vida Odontológica, Vila Franca de Xirpa, Portugal. 8: p. 404, 1981.

·        Editorial: O sorriso do chiclete. Revista da Associação Brasileira de Odontologia (ABO Nac.), n. 2, fev./mar. 1994.

·        Vieira, S. Prevenção da cárie: a ética e a metodologia. Blog pessoal.

·        Twain, M. The Tragedy of Pudd'nhead Wilson, 1894.

No comments: