Wednesday, February 02, 2022

Gráficos nas fake news

 

A informação numérica não atinge todas as pessoas, porque interpretar números exige treino e certo gosto pela Matemática. E a maior parte das pessoas não se acostumou a gostar de Matemática... No entanto, para entender um assunto, é preciso captar não apenas as ideias, mas também adquirir noção dos valores numéricos envolvidos. Um homem é importante, mas um homem carregando uma mala com 500 mil dólares está clamando por atenção...

Na nossa sociedade, boa parte da informação é apresentada na forma de números. As prévias eleitorais, as pesquisas de mercado, as pesquisas de opinião pública são apresentadas na forma de números e de porcentagens. As cotações na bolsa de valores, a rentabilidade de uma empresa, a eficiência de um serviço são dados na forma numérica. Então, no mundo de hoje, é preciso saber interpretar "números".

Mas para tirar a verdade dos números, é preciso conversar longamente com eles. De nada adianta torturá-los. Há quem diga que a taxa de desemprego não pode ser tão alta porque vê seus amigos e familiares bem empregados. Diante de um comentário como esse (uma mutilação da população em estudo) cabe apenas o grito do estrategista de Bill Clinton 1: "It’s the economy, stupid."

De qualquer forma, as informações numéricas são mais facilmente assimiladas quando apresentadas na forma de gráficos. Mas pense bem: se já não entendemos taxas e índices que têm definição explícita, será que entenderemos os gráficos, um passo a mais? A apresentação gráfica é, porém, muito clara, embora não seja precisa. Os gráficos de setores, por exemplo, são muito usados para mostrar as diversas partes em que se divide o todo. Então, para comparar a força eleitoral de três candidatos, A, B e C, um instituto de pesquisa pode tomar uma amostra de eleitores, perguntar a cada um deles em quem irá votar e depois calcular a porcentagem de eleitores de cada candidato. Imagine, então, que foram entrevistados 2.500 eleitores e se obteve os dados apresentados na Tabela 1.

Tabela 1

 Distribuição de eleitores segundo a intenção de voto

 

Para desenhar o gráfico de setores, mais conhecido como gráfico de pizza, traça-se uma circunferência, que irá representar o total. Depois, divide-se a circunferência em setores proporcionais às porcentagens. Para distinguir os diferentes setores, devem ser feitas hachuras diferentes ou – se a publicação assim o permitir – devem ser aplicadas cores diferentes. Mas cuidado: como a circunferência representa o total ou 100% dos entrevistados, você não pode deixar de lado os indecisos. Veja a Figura 1.

 Figura 1

 

Distribuição de eleitores segundo a intenção de voto


 O gráfico desenhado com profundidade – chamado gráfico em 3 D – causa maior impacto. Para chamar mais atenção, pode ostentar um título chamativo, como está na Figura 2.

Figura 2

 

A fatia de cada candidato

 


Também podem ser feitos gráficos de rosca que, praticamente, são o mesmo gráfico de pizza, mas sem a parte central. Veja a Figura 3.

Figura 3

 

Distribuição dos eleitores segundo a intenção de voto

 

 

Os dados da Tabela 1 também poderiam ser apresentados em gráficos de barras. Mas vamos colocar outros dados, para você praticar o desenho de gráficos com outros números. Imagine que uma empresa realizou uma pesquisa de opinião pública relativa à eleição para prefeito municipal em determinada cidade. Havia quatro candidatos, que chamaremos de A, B, C e D. Foram entrevistados 3.000 eleitores e obtidos os seguintes resultados: 1.080 dos votos seriam para o candidato A, 810 dos votos seriam para o candidato B, 330 dos votos seriam para o candidato C e 240 dos votos seriam para o candidato D. Havia 18% de indecisos. Veja a Tabela 2.

Tabela 2

Distribuição percentual da intenção de votos para prefeito municipal


Para bem apresentar a grandeza relativa das porcentagens, pode ser feito um gráfico de barras. Trace o sistema de eixos cartesianos e desenhe barras da mesma largura, com base no eixo das abscissas e altura dada pelos percentuais de intenção de voto. Esse gráfico, que hoje é feito em computador, permite visualizar a situação. Veja a Figura 4: o gráfico foi feito com os dados da Tabela 2.

Figura 4

Distribuição percentual da intenção de votos para prefeito municipal


Na Figura 4 tudo está suficientemente claro, mas você pode querer melhorar o aspecto visual. Dê uma terceira dimensão à figura – é o chamado gráfico em 3D. Com os dados da Tabela 2, foi feito a Figura 5. É muito importante manter todas as barras com a mesma largura.

Figura 5

Distribuição percentual de votos para prefeito municipal

 

Cuidado, porém, com os gráficos de barras. Quem desenha um gráfico de barras precisa saber que a altura da barra – e somente a altura – deve ser proporcional ao valor da variável quantitativa. A largura das barras é, obrigatoriamente, a mesma.

Por exemplo, dados apresentados pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a Alimentação e a Agricultura (FAO)8 mostraram que em 2015 o Brasil detinha 59% do seu território coberto com 493,5 milhões de hectares de florestas (naturais e plantadas). Mas o mesmo estudo da FAO indica que o Brasil reduziu em 984 mil hectares suas florestas naturais entre 2010 e 2015. Veja a Figura 6, que está correta.

Figura 6

                 Extensão do território brasileiro coberto por florestas

Imagine agora que você quisesse mostrar muito mais desmatamento do que o ocorrido. Você não faria barras honestas, mas um desenho “artístico”, como exibido na Figura 7: as larguras diferentes dos desenhos dariam ao incauto leitor a visão de diferença muito maior entre o desmatamento de 2010 e 2015 do que de fato ocorreu! Mas esse gráfico estaria errado – ótimo para fake news.

Figura 7

Extensão do território brasileiro coberto por florestas


 

 Um tipo de gráfico muito comum é o gráfico de linhas, que serve para mostrar tendências. Então, se quiser desenhar um gráfico para exibir como os lucros aumentaram durante o ano, o empresário deve primeiro desenhar o sistema de eixos cartesianos. Representa o tempo no eixo horizontal e os lucros em cada mês no eixo vertical. Cada valor é representado por um ponto. Unindo os pontos, verá a tendência de seus lucros! Veja a Figura 8.

 

Figura 8

 

Lucros em milhares de reais, mês a mês

 

A Figura 8 tem a clareza necessária. No entanto, alguns gráficos não mostram coisa alguma. Por exemplo, cuidado com os gráficos que não apresentam nem escalas, nem unidades de medida. Sem escalas e sem saber como os dados foram medidos, aumentos irrisórios podem parecer "aumentos evidentes", pelo menos visualmente. Observe a Figura 9: sem escalas nos eixos, não há como dizer o tamanho dos lucros. E a prestação de contas? Mera fake news.

 

Figura 9

 

Aumentos nos lucros

 


A impressão visual muda se você alterar o ponto de mínimo no eixo vertical. Se o mínimo ficar acima de zero, a variação fica muito mais impressionante. Observe a Figura 10: o segundo gráfico parece mostrar nítida tendência de alta enquanto o primeiro é bem mais comedido.

 

Figura 10

 

Cotação das ações da empresa: dois pontos de vista

 


 

       Esses truques são bons, mas existe outro truque para maquiar os gráficos. Você já viu espelhos curvos, que modificam a imagem? Conforme o grau de curvatura do espelho, você fica "gordo" ou "magro"? Pois use essa ideia, se quiser mudar a aparência de seu gráfico.

Se você for um vendedor de carros, por exemplo, e quiser mostrar como o volume de vendas na concessionária tem aumentado desde que você chegou, não é preciso pensar duas vezes! "Puxe" o gráfico no sentido vertical, como foi feito no segundo gráfico da Figura 11.

 

Figura 11

 

Nº de carros vendidos: dois pontos de vista

 


Você pode usar esses truques para explicar como anda a economia de uma nação. Só para treinar, faça gráficos da inflação, do crescimento do PIB, do aumento do salário mínimo. Mas desenhe sempre dois gráficos: um segundo o governo e o outro, segundo a oposição, só mexendo nas escalas...


Referência

1.       It's the economy, stupid (É a economia, estúpido!). Frase cunhada por James Carville, estrategista da campanha vitoriosa de Bill Clinton em 1992. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/It%27s_the_economy,stupid. Acesso em 29 de setembro de 2021.